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Suspensão 6 (e último!) – Watt’s links

7 fev

A adaptação do sistema Watt’s Links na traseira da Veraneio foi a modificação conceitualmente mais profunda feita nos meus carros até hoje, e que tenho maior orgulho de ter concebido a ideia, projetado e executado tudo com um resultado tão bom.

Terminei o último capítulo dizendo que o sistema todo tinha ficado loco loco loco, mas que tinha ainda uma limitação para que o rolê pudesse desfrutar de tudo que a nova suspensão podia oferecer: a maldita barra Panhard, quando a suspensão era toda comprimida, jogava o eixo para o lado do motorista cerca de 30mm, fazendo com que o pneu pegasse na lata. Esse é um efeito colateral da barra Panhard, melhor do que eu explicar é ilustrar:

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Suspensões traseiras de eixo rígido que não usam feixe de mola precisam de alguma coisa para segurar o eixo lateralmente. O mais típico para isso é a tal da barra Panhard, usada na Veraneio, Opala, Chevette e vários jipes com mola helicoidal. Como molas helicoidais não tem função de ancoragem, primeiramente são necessários braços no sentido longitudinal do carro para segurar o eixo no lugar. Esses braços costumam ser parrudos, pois são quem transferem o torque do eixo para o chassi. Só que braços longitudinais tão somente não restringem o movimento lateral do eixo em relação ao chassi, aí é onde entra a barra Panhard, ela justamente faz esse complemento de ancoragem. Mas é um sistema bem simples, e como podem ver na figura ela dá ao eixo um movimento em arco, ou seja, quanto mais você tira a barra da posição horizontal mais você insere um movimento lateral. No meu caso lá, quando encostava o eixo no chassi a barra já estava bem inclinada e gerava os 30mm que comentei.

Só para registro, caminhonetes em geral não sofrem desse mal porque normalmente a traseira é com feixes de mola. Nesse caso o próprio feixe já trava o eixo tanto longitudinalmente quanto transversalmente.

O sistema mais sofisticado para ancorar o eixo traseiro rígido é o chamado four link, esse não só trava em todos os sentidos como ainda consegue um excelente controle do movimento vertical do eixo e das reações no chassi à aplicação do torque. No caso da suspensão a ar ainda tem um importante ganho que é o controle do ângulo da cruzeta final do cardã, dependendo de como os comprimentos dos braços forem ajustados o eixo traseiro não sofre qualquer rotação no eixo transversal do carro, ou seja, você pode rodar a qualquer altura com o carro que o ângulo da cruzeta será sempre o mesmo, o correto.

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Four link é um sistema comumente usado em aplicações visando desempenho, como arrancada ou offroad. Grandes adaptações de suspensão a ar, tipo aqueles show cars ou pick-ups mini trucking, que os caras praticamente constroem um chassi novo, em geral vêm acompanhadas da four link. Jipes de rock crawling e trophy trucks também. Minha primeira opção quando pensei na suspensão a ar era justamente ela, mas de boas, quando eu ficava passeando na valeta debaixo do carro, hábito comum nas madrugadas sem sono, mentalizando como seriam as adaptações, nunca consegui visualizar um serviço que não fosse extenso e complexo. Já estava tudo tão bonitinho ancorado lá em baixo, escapamentos passando milimetricamente ao redor do eixo, cardã e braços, dava uma certa angústia pensar em arrancar tudo fora e começar de novo.

Foi aí que fui buscar no fundo do baú uma ideia que conhecia de longa data, mas muito pouco ouvia falar: Watt’s Links.

Esse sistema é raro, mas foi usado com sucesso em algumas aplicações. Originalmente alguns modelos de Explorer (ou Expedition?) vieram com ele. No Brasil talvez o exemplo mais notável foi nos Opalas Stock Car, no caso lá era usado para pra melhorar a estabilidade da traseira, justamente por eliminar o movimento lateral parasita quando a suspensão trabalhava.

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A ideia é substituir a barra transversal única (Panhard) por uma combinação de 3 delas, duas transversais presas em um vertical ancorada no meio da bola do diferencial. Difícil descrever em palavras o movimento, mas a ideia é que o movimento lateral de uma transversal é anulado pelo da outra, sendo ambos absorvidos pelo movimento da central. Em outras palavras, se corretamente calibrada o eixo sobe e desce perfeitamente vertical!

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Podem encontrar por aí ainda uma variação que inverte as ancoragens, as barras transversais ancoradas no eixo e a barra central ancorada no chassi. Mas o mais comum ainda é o primeiro.

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Olhei por baixo da Veraneio e estimei que haveria espaço. Bacana é que nada precisaria ser alterado do eixo pra frente, só da tampa do diferencial pra trás é que precisaria enfiar novos elementos. Na pior das hipóteses teria que recuar um pouco o tanque. Dois eram os desafios:

1- viabilizar uma barra passando do centro do diferencial para o outro lado do carro (lado do passageiro);

2- criar a fixação para a barra vertical no meio do diferencial.

O primeiro não foi difícil, mas acabou sendo diferente do que pensava. Como viram na figura, o comum é haver uma diferença de altura na fixação das duas barras transversais, mesmo que sejam montadas com certo ângulo, uma vai por cima da barra vertical e outra vai por baixo. Como a barra Panhard em geral é presa na parte de cima do eixo, a gambiarra comum é aproveitar sua fixação original para uma das barras, que acaba sendo a superior, e criar uma nova fixação do outro lado para a outra barra, que será a inferior. Para isso esse novo ponto de fixação acaba ficando um tanto abaixo do chassi. Mas aí no meu caso lá percebi que ficaria melhor ao contrário: a fixação original da Panhard já é abaixo do chassi do lado do motorista, e com o objetivo de andar com o carro baixo o centro do eixo já ficaria naturalmente acima dessa altura, ficaria bem adequado levar a barra do lado do passageiro para cima, para isso colocando o novo ponto de fixação acima do chassi. Medi lá e vi que parecia viável, na pior das hipóteses teria que desviar um pouco do escapamento.

Beleza, conceitualmente a solução para o primeiro problema estava definida. Agora como fixar a barra central no meio da bola do diferencial?

Comecei a olhar a gambi comumente usada e achei tosco demais. O pessoal faz um suporte gigante que pega de um lado ao outro do eixo, passando por trás da bola do diferencial, só que fica um poota dum Frankstein, ocupa mó espaço, fora o peso que adicionaria.

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Pensei comigo “se essa tampa do diferencial fosse feita de um material resistente, prendia nela mesma”. Opa! Acho que o caminho é por aí! Primeira ideia foi fazer uma nova tampa, com chapa bem mais grossa, mas achei que daria muito trampo. Além disso, a forma da tampa original tem função técnica, para escoamento do óleo, então era melhor não mexer. Cheguei então na ideia de fazer uma capa por cima da tampa, usando os próprios parafusos dessa para fixar tudo.

Primeiro rabisco veio a mão mesmo, já com medidas para poder fabricar:

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Comecei pelas buchas de PU, passei as medidas para um mano que trabalhava com isso e ele me mandou os conjuntos, 5 pares ao todo, 2 para cada barra transversal – 1 em cada extremidade, e 1 para o centro da barra vertical.

Comprei um teco de barra cilíndrica maciça da mesma medida da Panhard original (se não me engano ¾”), e para os olhais das buchas arrumei de ferro velho um tubo de 1-5/8” de diâmetro externo com 4mm de parece (na verdade primeiro achei esse tubo daí desenhei as buchas pra servir nele, hehehe).

A tal capa partiu de uma tampa de diferencial solta. Usando ela de molde, cortamos uma chapa cilíndrica num diâmetro próximo à dimensão da tampa que então serviu de guia para fazer os furos. Daí foram feitos tarugos tubulares para dar a altura necessária da chapa para a tampa, mais algumas chapas de reforços e depois solda em tudo.

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Ainda antes de montar tudo veio a parte mais engenheirística da coisa: determinar a geometria dos braços. Procurei muito por material técnico na internet e não achei nada, mas imaginava que teria alguma mágica na hora de combinar os comprimentos e ângulos das 3 barras. Já que não tinha informação, o jeito então era desenhar para simular.

Para isso a primeira coisa era tirar as dimensões daquilo que já havia de original no carro. Entrei então novamente em baixo da Veraneio e fui tirando todas as dimensões de chassi e suspensão desde a ancoragem dos braços longitudinais para trás, até a ponta do chassi.

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Joguei tudo num software de cad 3D que sei pilotar, peguei um desenho de um eixo pronto nos bancos de dados pra facilitar e criei as barras de forma que fosse fácil alterar seus comprimentos – sim, até no desenho a gente precisa pensar nisso pra não ter que gastar horas redesenhando só pra fazer um ajuste.

Depois de brincar um pouco percebi que o ângulo das barras não influi no movimento, sobre isso basta garantir que atenda o curso necessário ao longo de todo o movimento. Quem determina o movimento vertical (ou não) do eixo é a relação de comprimento entre as barras – o tamanho das barras transversais em relação à barra central. Considerando que as barras transversais acabam precisando ter um tamanho já meio definido – da longarina até o centro – a calibração fica por conta do tamanho da barra central. Se ela for muito grande, o movimento começa a ficar diagonal, pendendo para um dos lados. Se ela é pequena demais, diagonal também, só que pendendo para o outro lado. Ou seja, para que seja perfeitamente vertical há um tamanho único que essa barra pode assumir.

Vejam no vídeo abaixo, depois de brincar um pouco cheguei ao comprimento ideal da barra, notem como o comprimento é perfeitamente vertical:

Nota importante: essa informação que estou lhes descrevendo agora vocês provavelmente não encontrarão em lugar algum na internet! Não fiz um estudo mais elaborado para definir uma fórmula que calculasse o tamanho de uma barra em função das outras, mas se você é um xarope igual ou pior a mim que um dia vai resolver construir umas Watt’s links para o seu carro, o conceito fundamental que precisará se ater para que a geometria do seu projeto fique correta é basicamente isso: esqueça todo o resto e jogue empiricamente com o comprimento da barra central até conseguir o movimento suficientemente vertical!

“Ah, mas eu não tenho / não sei pilotar um software como esse seu”. Mano, eu também não confiei no resultado do software tão somente. Na realidade ele me serviu para entender o conceito, então essa parte você pula porque eu já te contei. A calibração no meu caso foi feita mesmo na prática, na hora de montar.

Ou seja, bóra então montar!

Colei na oficina do meu truta parceiro de sempre nessas presepadas loucas, o Hairy Bee. Carro no elevador e de cara já confirmamos o que eu esperava, teríamos que recuar o tanque alguns centímetros para que coubesse a estrovenga atrás da tampa do diferencial. Essa parte foi tranquila.

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Lembram que falei que do lado do motorista aproveitaria a fixação original da Panhard? Pois bem, então precisava agora fazer o par dela do outro lado. Exatamente mesma distância do centro do carro, só que por cima do chassi. Também sem angústias nessa parte.

Em seguida a fabricação das barras transversais. Soldamos os olhais em apenas uma das extremidades de cada barra e, com uma barra central sem furos, fomos apenas simulando as posições extremas do curso da suspensão e vendo se a inclinação da central ficava razoável – inclinação similar para cada lado respectivamente em cada extremo do curso. Lógico que depois teria ainda um pequeno deslize com o ajuste fino do comprimento da barra central, mas ainda assim o tiro já sairia bem certo.

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Determinado o comprimento em linha reta, começaram os ajustes para não dar interferência com o resto de coisas que há em volta, majoritariamente escapamentos. Notem que algumas curvas começaram a surgir.

OK, concordo que não parece tão ortodoxo que as barras possuam curvas, mas na boa, era bem mais fácil fazer isso do que mudar todo o resto de coisas do lugar, além do que eu já tinha tido no passado outra caminhonete com a Panhard com essa mesma gambiarra e mesmo com toda a presepada que eu armei a barra nunca alterou um milímetro seu comprimento final, portanto, não via grandes chances disso ocorrer agora.

Por fim, já com todas as curvas necessárias nas barras e os olhais todos soldados definitivamente no lugar, novamente fomos testando os extremos do curso com diferentes posições de furos na barra central. Quando chegamos a um ponto em que a variação transversal do eixo ao longo do curso era menor que a precisão que conseguíamos medir (digamos, ~1mm), demos como definida a dimensão.

Só para constar, o comprimentos das barras transversais e central ficaram respectivamente em 460 e 248mm.

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Feito isso, fabricamos a barra central definitiva, confirmamos com um último teste de curso e partimos para os detalhes finais, como reforços e pintura.

A cara do trem depois de pronta ficou assim:

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Notem a fixação de reforço na ponta do pino central e as arruelas de nylon por cima sanduichando a barra central para garantir um movimento bem justo e protegido de desgastes com o tempo.

Tudo no lugar? Carro no chão? Pau no gato sem massagem!

Tratei de enfiar o Camburão num estradão de terra mandando aquele balanço de explorar todo o curso da suspensão, cacete na curva pra gerar esforço lateral, fritada no asfalto em chão com desnível pra judiar mesmo, e o barato ficou lá de boas total! Funcionando perfeitamente e robusto pacarái! Mano, na boa, mó orgulho, hehehehe!

Mas vou ser honesto e contar dois pequenos ajustes finos que acabei fazendo em casa depois: em minha viagem embora notei que em algumas situações ainda pegava de leve o pneu no para-lamas do lado do motorista. Fiz umas aferições subindo e descendo o carro com a suspensão a ar e o movimento estava ainda vertical corretamente, só a posição absoluta do eixo é que estava fora de centro. Acontece que eu não acompanhei a 100% finalização de todas as peças na oficina e nem fiquei conferindo milimetricamente tudo depois de pronto, mas com isso dois pequenos erros dimensionais acabaram passando. O primeiro é que na hora de fazer as curvas nas barras a do lado do passageiro acabou ficou 10mm mais comprida que seu par, quando medido de centro a centro de olhal. Beleza, meti na prensa em casa e fechei um pentelhonésimo de grau em cada uma das curvas e fiz chegar na medida. O segundo erro foi na fixação do novo suporte do lado do passageiro, também uns 10mm de diferença na posição do furo em relação do centro do chassi, mais pra dentro que do outro lado. A solução para isso seria refazer o suporte com o furo 10mm mais pra fora, ou, mais fácil, colocar uma chapa de 10mm entre ele e o chassi (é fixado por fora da longarina). Pra falar a verdade até hoje não fiz nenhuma das duas, hehe. No final os 20mm da soma dos dois problemas deixavam o eixo 10mm mais pra esquerda, como os pneus encaixam justos nas caixas de roda era o suficiente pra pegar. Ao corrigir o primeiro problema eliminei 5mm da diferença e passou a não pegar mais, acabei largando assim mesmo. Hoje meu eixo traseiro está 5mm desalinhado do centro.

Vídeo por de trás do carro, na estrada, em linha reta, percebi essa parada dele andando meio torto. É sutil,  mas notável.

Resultado:

Então, eu fiquei todos esses episódios enrolando e até então não tinha contado mais em detalhes como foi o resultado geral, né? Hehe. Então, primeiramente sob ponto de vista funcional: ficou sensacional!

Manos, aposto que vocês estão acostumados a ouvir que carro com suspensão a ar fica duro, desconfortável, perde estabilidade, etc., não é? E sim, isso na grande maioria das vezes é verdade, ganha-se no visual e perde-se em praticamente todos os outros quesitos funcionais em relação à original. Pois bem, no meu caso a parada aqui foi diferente. Ganhei no visual loco, na possibilidade de ajuste de altura, mas ainda consegui uma suspensão mais confortável e mais estável que a original! Quando o carro está alto ele fica bem firme, ou seja, bem estável, mas sem enrijecer demais. Impressionante como a suspensão copia bem o solo sem deixar a carroceria balançar, mesmo em pisos bem irregulares. Cheguei a viajar e pegar estradas de terra com ela, meti mais de 100km/h e a tocada era sussa total, conforto de boas e total segurança, carro rodando liso e na mão!

No sentido oposto, com o carro bem baixo, quando o objetivo é desfilar, desde que se guarde uma altura mínima para não dar fim de curso em uma eventual ondulação do solo, o carro fica bem macio (bolsa com pouca pressão = mola mole), deixando aquela sensação de barcona flutuando sobre o asfalto!

Ah, e lembrem-se de uma coisa: tudo isso com rodas aro 20 e pneus perfil 45!

Já falando sobre ponto de vista de visual, como já havia dito, o negócio ficou matador! A dianteira cola no chão, o peito de aço fica a apenas 3cm do asfalto. E o carro roda de boas assim, nada pega! Sinistro demais! A traseira, como havia citado, vai até colar o eixo no chassi.  Com isso ela acaba não descendo tanto quanto a dianteira, com o carro colado ele fica um pouco inclinado pra frente, mas ainda assim, fica bem loco! Tanto na dianteira quanto na traseira, esconde não só o pneu todo como um tanto da roda!

Já quando ela está lá no alto, fica muito parecida com a original em termos de altura. Se meter pressão no máximo, o que dá uns 90% da suspensão toda estendida, como podem ver na foto, fica um vão de uns 3 dedos entre pneu e para-lamas! Agora no alto já não fica com diferença de altura entre dianteira e traseira, o carro ficou bem plano.

Fotos abaixo são com o veículo em 3 alturas: colado em baixo, máxima pressão de suspensão – ou seja, altura mais alta que o carro fica, e suspensão toda estendida – carro no cavalete.

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Limitações e pontos de melhoria:

Você pode me perguntar, o que de tudo que eu fiz que gerou esse resultado que digo ser tão bom? A principal, e que, novamente, na grande maioria dos casos em que o pessoal instala ar não faz direito, foi respeitar o curso da suspensão. Tudo foi calculado e medido para tentar chegar ao menos no curso original que o carro já possuía. No caso da dianteira foi possível atingir até um pouco mais, entretanto, na traseira, pelo curso das bolsas, acabou sendo um pouco menor, cerca de 200mm contra uns 250 do original.

Outra coisa que ajudou bastante foram os amortecedores Procomp na dianteira, aquilo que falei de andar a mais de 100 em estrada de terra na maior maciota não seria possível com amortecedor original. Ele deixou o carro mais firme e seguro. Já na traseira, como havia comentado anteriormente, pela diferença de tamanho do amortecedor importado em relação ao original, optei por não o instalar, portanto ficou com o original lá.

Esse é o primeiro ponto de limitação e que merece uma melhoria: o pouco curso na traseira com amortecedor não tão firme a fez ficar um pouco molenga, podendo até acontecer fim de curso caso passe por uma ondulação muito forte de solo. Meu plano para resolver isso já está em andamento: estou estudando fabricar umas bolsas sob medida para a traseira, com diâmetro um pouco maior, 3” contra 2.5”, e curso também maior, algo entre 200 a 210mm. Some isso a amortecedores mais firmes, similares aos dianteiros, terei na traseira algo equivalente à dianteira, curso grande e carro firme.

Mas notem uma coisa: o carro no alto está plano, eu não preciso desse curso adicional pra subir mais. O problema está lá em baixo, a traseira não cola tanto quanto a dianteira. Sendo assim, não há outra solução senão cortar o chassi, para permitir que o eixo entre um pouco mais pra dentro da carroceria. Esse corte não precisa ser grande, não pretendo fazer como as mini-truckings que chassi e suspensão ocupam a caçamba toda. Digamos que metade da altura do chassi seja o suficiente, faria por cima um reforço bem parrudo avançando muito pouco pra cima do assoalho do porta-malas. Discreto e com cara de original, assim que eu quero!

Já na dianteira, também como comentei no capítulo 4, a deficiência ficou por conta do esforço que as bolsas têm que fazer. Muito ar e muita pressão pra poder fazer a frente levantar, isso deixa a logística de uso não muito prática. Já pensei em um zilhão de soluções, mas a que mais me agradou, recentemente por conta de outras modificações que resolvi fazer no cofre, será fazer um esquema de molas helicoidais auxiliares assim como na traseira. Mas como na frente não dá pra colocar a bolsa dentro da mola e na bandeja inferior não consegui visualizar nenhum arranjo viável para alocar bolsa e mola, o jeito será mandar alguma coisa para a bandeja superior. Eu sempre me proibi de pensar nisso porque teria que modificar tudo aquilo que tinha feito no cofre e descrito no capítulo anterior. Mas como atualmente andei brincando bastante com arrancada, e uma das linhas para melhorar o desempenho era arrancar peso da dianteira ou ao menos transferir para a traseira, decidi tirar as baterias de lá. Nisso aquelas chapas de alumínio composto agora podem assumir uma forma diferente, aí, já que vai mexer, já faz no esquema para permitir habitar os novos elementos na bandeja superior. Só que aí o negócio vai ser ao contrário do que está hoje: a bandeja inferior já foi feita pra receber uma mola, então vou aproveitar isso. Sai tudo que foi feito pra bolsa e entra uma mola mole o suficiente para ainda permitir que o carro cole no chão. Depois em cima, um suporte para a bolsa nas bandejas superiores e uma torre no chassi para suportar a bolsa por cima.

Com isso, conseguirei na dianteira aquilo que hoje eu tenho de bom na traseira: sobe e desce muito fácil e rápido e usa pouco ar. Uma única carga do reservatório poderá levantar o carro algumas vezes, além de não precisar estar com reservatório totalmente cheio (pressão no talo) para conseguir subir o carro na altura máxima.

Não faço ideia de quando vou conseguir mexer com isso, nesse meio tempo, sigo rodando feliz e ostentando o visual loco da caranga! Mas obviamente, o dia que fizer essa parada, vai rolar um post extra aqui sobre suspensão!

Suspensão 4: instalação no carro

6 ago

Quarta parte da série, descrevendo agora a instalação / adaptação (e gambiarras, rsss) do conjunto de suspensão a ar no carro.

Começando pela dianteira:

A mola pneumática é bem menor que uma mola convencional em altura, mesmo que as duas tenham o mesmo curso. Isso porque a mola convencional, quando totalmente comprimida, tem as espessuras dos elos que somadas dão um bom pedaço do total, enquanto a borracha da bolsa quando comprimida não ocupa quase  nada, ficando então apenas a dimensão dos flanges. No sistema original da C10 existe uma cavidade tanto na bandeja, em baixo, quanto na travessa do chassi, para acomodar todo o tamanho da mola dentro. Como pra bolsa não precisaria de tudo isso, a primeira coisa então foi tapar a cavidade superior, basicamente colocando uma chapa, ou seja, o apoio superior para a bolsa virou uma superfície plana. Usei uma chapa de 5mm de espessura e simplesmente parafusei na travessa, com alguns M8. Foi feito também um furo na chapa pra conectar a mangueira que vai na bolsa.

Obs: desculpem, não tirei fotos dessa parte na época, quando estava montando, essa que seguem abaixo tirei agora, depois já de anos instalado. Ah sim, verdade, nem me dei ao trabalho de lavar o carro pra tirar as fotos, rssss…

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Mesmo eliminando essa altura da cavidade superior ainda assim sobrava muito espaço para a bolsa, precisava calçar algo da parte de baixo também, na cavidade da bandeja. Aí é que vem uma parte da hora – quanto calçar. É o ponto de calibrar o curso da bolsa! Se erra pra mais, com muito calço, a bolsa ficaria toda comprimida antes do fim de curso da suspensão, e o carro não desceria tudo que pode. Se erra pra menos, pouco calço, o carro desce tudo, mas na hora de estender a suspensão a mola esticaria tudo antes, também limitando o curso, mas, pior ainda, correndo forte risco de estourar. Mas ali no caso, como havia comentado antes, a bolsa tinha curso de sobra, ou seja, teria uma folga pra trabalhar nesse calço. Mas de cara já vi que ele também tomaria quase toda a altura da cavidade, ou seja, deixando pro lado de baixo quase que também uma superfície plana pra trabalhar. Isso me permitiu fazer um esquema da hora: ao invés de montar a bolsa exatamente na mesma posição da mola, eu pude jogá-la bem mais pra ponta da bandeja, aproveitando o curso de sobra e diminuindo o fator de braço, o que faz com que se precise de menos pressão para subir o carro. O limite de jogá-la pra fora foi aquele bloco da bandeja que serve de batente tanto pro fim de curso da suspensão quanto da direção, levei a bolsa até praticamente encostar nele (detalhes a seguir).

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Em seguida optei por calibrar o curso pelo limite do bump (compressão), ou seja, bolsa totalmente comprimida quando o carro estivesse na altura mínima. Isso por alguns motivos:

1- A bolsa já possui um batente de fim de curso interno de borracha, o que me permitiria eliminar o batente de borracha que vai na bandeja, deixando apenas o de aço (o tal calço);

2- Ficaria com folga no rebound (extensão), evitando esticar demais a bolsa e estourá-la;

3- Precisaria de menos ar para subir o carro, uma vez que na mínima extensão da bolsa o carro já estaria subindo (sem folga).

O calço de baixo não deu pra ser exatamente uma chapa, preferi usar um pedaço de viga de madeira maciça e moldá-lo conforme a cavidade da bandeja. A espessura da madeira é que foi calibrada pra fazer casar perfeitamente o curso da bolsa com o da suspensão.

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Montei então a bolsa no lugar e fiz o teste de movimentar a suspensão nos limites (ainda sem as rodas), garantir que o curso da bolsa estava correto, como havia previsto, e que o posicionamento das duas faces da bolsa estava alinhado, ou seja, a bolsa subindo e descendo com as faces sempre concêntricas.

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Então, aquele tal bloco da bandeja que comentei acima, o bicho meio que tem 3 funções:

– base de fixação do batente de borracha

– batente final – aço com aço na travessa do chassi, dali não passa

– limitador para esterço segurando a manga de eixo num ângulo máximo

Aí já que o batente de curso de suspensão agora seria o da própria bolsa, meti a esmerilhadeira e torei fora quase todo o conjunto, deixando apenas um cotoco que fazia o limite de esterço. Isso me deu alguns centímetros a mais para jogar a bolsa pra fora e melhorar ainda mais o fator de braço.

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Feitas as fixações, liguei então as mangueiras nas bolsas, saindo por cima da travessa e fixei o bujão atrás da travessa do chassi. Aí foi só fazer a ligação elétrica conforme diagrama do último post e voilà, estava pronta e funcionando a suspensão dianteira!

Mano, meti as rodas no lugar e testei o sistema, primeira vez da caranga subindo e descendo por suas próprias forças: que animal que ficou! Que visual matador! Que funcionamento animal! Mas aguentem aí, não quero entrar nesses detalhes ainda, parcialmente. Deixa falar da traseira também, hehehe.

Vamos lá, traseira:

Essa em teoria deveria ser mais simples, mas por alguns perrengues acabou me dando um tanto a mais de trabalho que não esperava. Algumas gambis meio sinistronas que me tomaram bastante tempo.

Na mesma sequência que da dianteira, a primeira coisa seria medir o curso da suspensão, mas agora com uma criticidade muito maior porque a relação entre curso de suspensão e curso da bolsa era pouco favorável. Apesar da bolsa traseira ser maior o curso da suspensão acabaria sendo menor. Enquanto na dianteira tínhamos um fator de braço quase de 2:1, na traseira é quase que 1:1, pois a bolsa vai praticamente em cima do eixo. Ou seja, o curso que tem a bolsa é praticamente o curso que vai ter a suspensão. Em números: na dianteira os 150mm da bolsa geram quase 300 na roda, na traseira os 168mm da bolsa geram menos de 200mm na roda.

Problemas disso: primeiro o curso menor, acaba limitando um benefício natural do carro do grande curso na traseira. Segundo, e até mais preocupante, deve-se tomar muuuuito cuidado com os limites da bolsa. Tanto na compressão quanto na extensão, se não for muito bem calculado, você pode ganhar uma bolsa estourada ao passar por uma lombada.

Mas vamos lá, decisão então a ser tomada: de onde tirar curso. Bom, essa foi fácil, se o objetivo era deixar o carro baixo, quem vai perder é a extensão. O batente da compressão continuaria sendo o eixo encostando no chassi, hehehehe. Aí analogamente ao descrito para a dianteira, nesse cálculo do curso da bolsa, como ela é mais curta que a mola convencional, foi necessário um calço na base de aproximadamente 30mm.

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Esse material usado no calço parece madeira, mas na verdade é plástico. É o que chamam de “madeira sintética”, um prensado de reciclados que fica com aparência de madeira. Tinha um tanto disso em casa e achei que seria o ideal para fazer o calço, é mais leve que metal, resistente o suficiente, não apodrece e nem enferruja. Ainda serviu, como vocês podem ver na foto, para centralização da mola. “Mola??? Como assim mola???”. Hehehe. Aguardem, já falo disso em seguida.

Bolsa parafusada no lugar, carro no cavalete, subi o eixo no jacaré até encostar no chassi, medi o comprimento que ficou a bolsa e deu exatamente o comprimento mínimo descrito no catálogo. Já no outro sentido, deixei pra fazer depois, não por se menos importante, ao contrário, era fundamental, mas deixo pra falar dele depois também. Vamos àquela parte que coça a mão, que era colocar o carro pra subir e descer, hehe.

Montei os bujões, liguei as mangueiras, fiz a instalação elétrica, reservatórios cheios, fui lá, apertei o botão de subir e… não subiu. Carái. Tipo, até se mexeu, sei lá, tipo, 2cm. Bom, precisa de mais pressão… meti mais pressão então, já passando um tanto das 100lbs de especificação nominal da bolsa e… nada. Ou melhor, quase nada. Se mexia 5cm era muito.

Budagueobaril, que kassete.

Vamos lá, lembram da tal “força” que descrevi no último post? E que para a traseira acabei nem calculando muito porque não tinha muita opção? Então, falhei nessa parte. Essa bolsa do tipo fininha com curso longo tinha um sério problema justamente por ser fininha. A área da base é quem transforma a pressão interna em força propriamente, são seus cm2 de área que transformam os kgf/cm2 de pressão em kgf de força, entenderam? E se o diâmetro é pequeno, a área é pequena e, consequentemente, a força vai ser pequena, mesmo com muita pressão. Banal, mas não tinha pensado nisso. Tomei como referência a aplicação em outras suspensões traseiras de caminhonetes, mas que possuem feixe de mola, ou seja, você tira algumas lâminas para amolecer a suspensão, mas as que sobram continuam contribuindo com força para manter o carro suspenso.

E agora, o que fazer? A primeira alternativa era comprar bolsas corretas, aquelas monstronas da mesma linha usadas em caminhão, com diâmetro de base muito maior e maior curso também. Só que essas eram caras pra dedéu e ia levar um poota tempo pra chegar. Segunda alternativa: aquilo que eu mesmo descrevi no parágrafo anterior. Não funciona nas caminhonetes porque você larga lá um tanto de mola pra ajudar? Então, porque não lagar um tanto de mola aqui também!? A diferença é que não é feixe de mola, não tinha como largar umas lâminas. Mas…. poderia manter uma mola helicoidal em paralelo com a bolsa!

Já que a bolsa era fininha, olhei lá e vi que facilmente caberia uma mola dessas convencionais de carro de passeio por fora. E sim, mola de carro de passeio justamente porque são bem mais fraquinhas e arriariam quando soltasse o peso do carro, o que era justamente o objetivo. O ponto ideal é que ao soltar o carro ele descesse até à eminência do eixo tocar o chassi, ou seja, todo o peso do carro estaria seguro pela mola, mas todo o curso da suspensão estaria disponível para a bolsa trabalhar, sendo que o esforço dessa seria muito menor.

Pronto, toca eu correr pra cima e pra baixo achar uma mola que me servisse. O problema é que molas convencionais você não acha especificações tão facilmente, nem dimensões muito menos seu coeficiente de carga. O jeito seria testar mesmo. Numa dessas achei um pico que vendia molas recondicionadas, eram bem baratinhas e o cara me atendeu mó bem. Colei lá, pedi várias opções de molas traseiras (traseira de carro de passeio é mais leve que dianteira, consequentemente molas mais fracas) olhei meio no olhômetro as dimensões, vi uma que os elos eram bem fininhos e fechei nela. Na época o cara até me falou de que carro que era, era tipo um Renault Clio, sei lá, algo assim, mas já nem me lembro direito.

Voltei pra casa e montei lá no carro, ainda sem a bolsa, mas infelizmente aconteceu o que eu previa, a mola ainda tinha uma carga a mais do que precisava e o carro não desceu até encostar o chassi no eixo. Tinha uns 50mm ainda. Olhei bem, vi o curso, fiz umas continhas… ah mano, acho que dá pra cortar um elo! Hehe. O fiz, testei novamente e bá: o chassi quaaaaaase tocou o eixo! 10mm apenas de folga! Mano, fechou! 10mm era justamente o espaço pra colocar alguma borracha de batente pra não dar aço com aço na compressão total (essa bolsa traseira não tem batente interno de borracha como a dianteira).

Montei então a bolsa por dentro, fiz umas gambis (meio porcas, confesso) para travar o conjunto no lugar e testei. Show, hahaha! Aí sim, subiu bonito, rápido e com muito pouco ar! Animal! Hehehe.

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Ficou faltando então apenas o limitador da extensão da suspensão – importantíssimo, pois do jeito que estava até então, se pegasse um daqueles “esfria saco” na pista, que fizesse o carro “saltar”, não ia ter nada pra segurar o eixo além da própria bolsa, ou seja, iria esticar até estourar.

Há algumas opções usuais para limitar o curso, carros de rally por exemplo usam cintas de nylon tipo cinto de segurança. Procurei dessas pra comprar mas não consegui nenhum esquema bom para travá-las. Aí vi um recurso que o pessoal usa nos low riders, usam correntes ao invés das cintas. Corrente seria fácil de travar, decidi por ela. No próprio elo você consegue passar um parafuso, em cima travei naquela orelha onde ficava o batente de borracha. Em baixo passei uma volta da corrente pelo eixo e, com um jacaré dosando a altura do eixo, fui medindo a bolsa até dar a extensão máxima especificada. Quando deu a medida certa, travei a ponta da corrente com um parafuso no meio dela de volta, fechando o “laço” que enrolava sobre o eixo. Por último, pra não ficar fazendo barulho, enrolei uma borracha de câmara de pneu por cima da corrente de fora a a fota e travei com enforca gato. Olha aí como ficou, certinho.

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Olha que da hora o curso, mesmo estando limitado, ainda assim, no total da extensão, segurando pelos limitadores, o quão alto ficava o carro.

Legal, o carro já estava inteiro montado sobre a suspensão e as rodas, mas pra colocar pra rodar ainda faltava um item importante que havia trazido também de fora nas compras: amortecedores.

A primeira coisa foi selecionar o modelo de amortecedor a se usar. De cara já havia no site da Summit muita coisa loca e phudida que serviria pro meu carro, tipo Bilsten, mas aí os preços era proporcionais à qualidade também. É, não estava podendo não. Mas aí pra não cair nos originais, vi que um upgrade muito comum lá fora são os Procomp, muito similares aos Rancho (da Monroe) comumente utilizado pela galera jipeira no Brasil. Esses Procomp tinham preço bom e uma variedade legal de modelos, encaixaria bem. Aí novamente, eis que eu faço mais uma kagada. De novo, ao invés de olhar a especificação detalhada do modelo – principalmente comprimento e curso – eu simplesmente fui pela compatibilidade de ano, escolhi lá o modelo que seria original das C10 197X, no tamanho original (há modelos mais curtos ou mais compridos, justamente par suspensões alteradas). Já viu, quando fui colocar no carro… tanto os dianteiros quanto os traseiros eram 1″ mais compridos que os nossos originais nacionais.

Shit.

O que fazer agora? Olha, minha vontade de não desperdiçar a compra era tão grande, somada com a quantidade de gambiarras que já tinha feito, decidi que na dianteira eu ia dar um jeito de colocar os Procomp sim. Bastava colocá-los um pouco mais pra ponta da bandeja, da mesma forma que já havia feito com as molas, que ficaria perfeito. Além disso, diminuindo o fator de braço, daria um pouco mais de rigidez à suspensão. Medi direitinho, simulei todo o curso do amortecedor e achei o novo ponto a fixa na bandeja. Fiz um suporte simples de chapa, soldei, e já era, ficou bacana! Em cima, onde prende no chassi, tive que soltar o suporte original e colocar um calço, pra dar um pouco mais de espaço para o amortecedor trabalhar. É, adaptação desnecessária e não muito bonita, mas ficou boa, e funcionou muito bem até hoje. Gostei do resultado.

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Na traseira: aí a brincadeira não ia dar muito certo. Não tinha como mudar os pontos de fixação de maneira fácil. E a tal 1″ a mais de comprimento ia ferrar com o fim de curso no bump, ou seja, naquele ponto que o eixo encostaria no chassi ia dar batente no amortecedor primeiro, limitando o curso e podendo detonar o amortecedor. Preferi manter o original (que até era novo), e depois se fosse o caso eu mandaria fazer um nacional mesmo preparado.

Pronto, agora que tenho dianteira e traseira terminadas e funcionando posso contar o resultado:

Dianteira ficou animal, curso perfeito, mais de 250mm, desce até o peito chegar a uns 3cm do chão não tendo qualquer impedimento para rodar! E no sentido oposto, sobe lá no alto, parecendo original, mesmo com os dropped spindles. Ponto negativo: a frente do carro, com o bigblock e mais um monte de traquitanas além do original, é muito pesada, e ficou uma carga legal para a bolsa. Ela até sobe legal, sobe tudo, mas vai pressão pacarái pra fazer chegar lá em cima. Isso é um pouco incômodo no funcionamento, reservatórios têm que estar bem cheios pra conseguir subir bastante e apenas duas subidas já matam completamente o ar do reservatório. Tipo, não dá pra ficar brincando tanto de sobe e desce como aqueles carros de exposição com suspensão a ar. O ideal seria se tivesse um jeito de montar molas auxiliares, como na traseira, que ajudassem e segurar um pouco da carga, mas o espaço lá é bem limitado, teria que fazer uma gambi muito violenta, tipo uns pushrod, pra conseguir algo nessa linha.

Já a traseira acabou sendo o contrário. Com a tal mola auxiliar a suspensão sobe e desce que é uma beleza, só tocar no botão que em poucos segundos já está lá em cima ou lá em baixo. Nem precisa de tanta pressão e o reservatório dura bastante, já que vai pouco ar. Mas ainda assim, o fato da bolsa ser pequena, tanto em curso quanto em diâmetro, acaba limitando um pouco o movimento. Primeiro que, diferente da dianteira que a bolsa tem curso de sobra, mesmo com pressão no máximo a bolsa não consegue fazer o carro atingir a altura máxima. Depois que o curso como um todo teve que ser limitado, dos mais de 250mm que o sistema original permitiria esse aí não chega a 200. Para resolver já pensei em várias alternativas, tipo jogar a bolsa mais pra frente no braço longitudinal de ancoragem do eixo, daria mais fator de braço, mas aí sofreria mais com carga. Cheguei à conclusão que o mais fácil mesmo, considerando o que já está feito, seria arrumar uma bolsa um pouquinho maior, preferencialmente tanto em comprimento quanto em diâmetro, aí retomaria o curso original e teria mais força pra subir o carro no máximo.

Na soma das duas o que pode se observar, que não chega a ser um problema, é uma diferença de altura em dada situação. Como a dianteira tem dropped spindles ela acaba descendo um tanto mais que a traseira, justamente aquelas 3″ em relação ao spindle original. Como o pneu traseiro também é um pouquinho mais alto, se olhar de lado você acaba vendo a dianteira colada no chão e a traseira uns 10cm mais alta. Pra equalizar isso só tem uma solução: mutilar o chassi, para permitir que o eixo suba mais. Mas isso também só fica bom ser feito se o curso estiver correto, senão ia ferrar muito com o extremo oposto.

Justamente, no extremo oposto, suspensão lá em cima, aí sim o carro ficou bem equalizado, olhando de lado você o vê bem plano.

Pronto, está na hora então de mostrar as fotos do resultado final, a barcona lá largadona no chão? Olha, ainda não, hehehe. Porque eu tinha ainda um grande desafio a frente para permitir esse funcionamento todo da suspensão: estava cheio de lataria original do carro que não permitia que as rodas se acomodassem lá dentro no fundo da caixa de roda. Para fazer esses testes, na dianteira, tive que arrancar toda aquela chapa interna do para-lamas que você vê no cofre do motor. E na traseira pra testar o curso só sem as rodas! Primeiro que pegava muito na caixa de rodas, por dentro dos para-lamas, mas também pelo efeito da barra panhard, aquela que segura o eixo na transversal. Como o movimento dela é em círculo, quando movimentado o eixo para cima e para baixo ela insere um efeito colateral que é o eixo se mexer de lado. No limite do carro jogado no chão o eixo chega a deslocar 30mm para a esquerda, ou seja, prensando a roda esquerda contra a caixa de rodas.

Por isso,  meu brother, pra saber do resultado ainda vou ter que passar por mais dois posts: o próximo só sobre mutilações na lataria (que diga-se de passagem foi divertido pacarái, meter a lixadeira na lata, kkkkk) e um último só pra falar da barra panhard. A história em volta dela é tão locona que merece um mega capítulo só pra ela, o último, pra fechar com chave de ouro! Hehehehe.

Link para o próximo capítulo:

https://contosautomotivos.wordpress.com/2018/09/01/suspensao-5-mutilacoes-na-lataria/

Cavalo de pau peso pesado

1 dez

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Imaginem a cena de uma Veraneio dando um cavalo de pau. Mas quando digo cavalo de pau não estou me referindo àquelas derrapagens “controladas” como essa da foto que se costumava ver na época da Rota, que era mais um efeito colateral de quem, em teoria, queria apenas fazer com eficiência uma curva de 90 graus. Aqui estou me referindo a cavalo de pau mesmo, 180 graus, hairpin, aquele em que a frente parece pregada no chão pela roda dianteira interna à curva, e a traseira percorre todo o semicírculo até que o nariz aponte no sentido oposto. Olha, se para um desavisado uma cena dessas com um carro comum já seria no mínimo inusitada e surpreendente, imaginem se tratando de um trambolho de mais de duas toneladas e com nítida inaptidão a manobras mais audazes. Cara, na boa, deve ser algo bem da hora de se assistir!

Pode parecer paradoxal, mas mesmo tendo vivenciado muitas vezes essa cena eu não posso dizer que cheguei a ver uma, assim da maneira que descrevo, pelo lado de fora.

Dar cavalo de pau com o carro não é lá grande novidade, aposto que muita gente que nesse momento lê esse texto, quando molecão, chegou a armar umas patifarias com aquela caranga do pai, careta, bundona, de uso civil, com massa não muito diferente de 1000Kg, e que os instrumentos de comando estão todos na disposição convencional. Mas arrisco a dizer, com grande confiança, que uns 90% aqui nunca sequer guiaram um carro com tração traseira, o que implica consequentemente em nunca terem tido a oportunidade de tomar o comando de algo com mais de 1 tonelada e meia. Em outras palavras, nunca dirigiram uma caminhonete de verdade. E mesmo para aqueles que já tiveram contato com caminhonetes full size, do tipo aquele tio avô que tinha uma F-1000 ou D20 na fazenda, a realidade do dia a dia com carro comum é totalmente diferente, e já pra começo de conversa sequer teriam alguma intimidade com os comandos da caminhonete, quanto mais arriscarem a fazer aquela merda que algum dia já fizeram com o Uninho da mãe. Realmente, os comandos de uma caminhonete, principalmente full sizes mais antigas (mid size modernas estão mais para um carro de passeio de plástico marombado), a interação com pedais, volante, alavanca de câmbio, e, principalmente, “freio de mão” é totalmente diferente. A real é que em grande parte das vezes o freio de estacionamento nem é na mão, é no pé! Entre essas e outras é que acaba sendo muito rara a possibilidade de presenciar uns malucos dando cavalo de pau com caminhonetes.

Ah, mas calma aí, tem mais um detalhe importante: quando eu falo em cavalo de pau temos que pensar na manobra completa, não adianta girar o carro e depois ficar parado lá por eternos poucos segundos para então sair andando novamente. Cavalo de pau profissa é que aquele que não tem parada, é uma manobra contínua, você estava vindo em um sentido e de repente está voltando no oposto, e não vindo – parou – voltou. Entende? É aquele em que a caranga mal completou as últimas dezenas de graus dos 180 e a tração já está comendo, o pé direito já afunda o assoalho, a fumaça dos pneus já não é mais causada pelo freio. Literalmente, não pode deixar a poeira (ou fumaça) abaixar!

Fazer isso, para quem tem mínima aptidão, não é uma tarefa tão complexa quando falamos de carro de passeio. A sequência, a alternância de ações entre embreagem e freio e mão, e eventualmente alavanca de câmbio, é algo até bem intuitivo, fluído. A primeira coisa é que o acionamento e a liberação do freio de mão estão no mesmo instrumento. Puxa a alavanca pra acionar, aperta o botão para liberar. Segundo, a alavanca fica na mão direita, deixando dessa forma a mão esquerda 100% para o volante. A pior coisa é ter que revezar a mão direita entre freio de mão e câmbio, mas ainda assim, são ações que ocorrem em momentos diferentes.

Por exemplo, você vem lá a uns 60km/h em segunda marcha, no momento desejado você dá aquela cutucadinha de leve no volante pra direita (ou esquerda, tanto faz) para logo em seguida fazer simultaneamente 4 coisas, uma com cada membro: mão esquerda chama com força o volante para a esquerda, mão direita chama com força o freio de mão pra cima, pé esquerdo aciona a embreagem e pé direito libera o acelerador. Pronto, a traseira desprega e o carro começa a rodar. Nesse meio tempo o pé direito pode parecer meio ocioso, mas está lá de prontidão para acionar o freio pra não dar de focinho no muro caso a traseira não tenha desprendido o suficiente. Até aí beleza, sem novidades, mas daí pra frente é que vem a parada da hora. Enquanto você espera aqueles longos décimos de segundos, com freio de mão travado, você aproveita a ociosidade da mão direita e manda primeira no câmbio. Aí em seguida, quando o giro está chegando próximo dos 180, você faz novamente uma sequência de movimentos quase que simultaneamente: volta a mão direita pro freio de mão e o libera, mão esquerda corrige o volante, pé direito vai no fundo, pé esquerdo solta pro lado. Pronto! O carro termina os 180 já não mais freando, mas sim tracionando – ou melhor, destracionando – enquanto imerge de ré na nuvem de fumaça branca que se inicia, pra poucos segundos depois emergir novamente já andando pra frente, rebolando e deixando marcas sinuosas no chão. Muito loco, não?, fala aí!

Vocês notaram que eu estou falando de carro de verdade, né?, com a tração nas rodas certas? Tudo bem, dá pra fazer com tração dianteira também, a diferença é que você pode chamar na chincha antes sequer de soltar o freio de mão, e deixa os eixos disputando entre eles. Dá hora também!

Sinto muito mas andei sem tempo de fazer videozinhos dessa vez, esse abaixo é antigo, do Como se Divertir com Tração Dianteira, não é exatamente a tal cena do cavalo de pau autêntico, mas mostra bem a alternância de comandos, é uma sequência maomeno assim

Agora vem a pergunta marota: como fazer a mesma cena com uma caminhonete? Manos, aqui as coisas jogam contra você. Não digo que seja impossível, mas na boa, o lance é treta. Mesmo tendo praticado muito com minha Ranger V6 americana o cavalo de pau sempre saiu amador, estacionado ao final. Na boa, o primeiro maluco que me mostrar um vídeo igual o meu acima, com a montagem sincronizada dos comandos, e conseguindo fazer o cavalo de pau non stop numa caminhonete com freio no pé eu pago uma caixa de breja!

Já começa que você vai precisar do pé esquerdo para o freio “de mão”, aquele mesmo que você precisa simultaneamente pra embreagem. OK, vamos ser espertos e improvisar, jogamos a caranga em ponto morto primeiro e desocupamos o pé da embreagem. Beleza, pé esquerdo então com força no freio “de mão” e o bicho roda. Freio travado, carro rodando, você pode voltar o pé à embreagem pra poder jogar primeira. Feito, primeira marcha na agulha, carro apontando na posição, e agora, como você solta o freio? Porra, já não bastava ter que usar o pé esquerdo para acionar, a liberação ainda é em outro lugar, com a mão esquerda. Seja numa alavanca lá em baixo, ou na porra de um botão no painel como nas D20. Você vai precisar da mão esquerda pra liberar. Bom, então troca de mão e usa a direita pra segurar o volante, certo? Pode ser, mas e aí quem vai trocar de marcha? Tá vendo a treta? E pra piorar, a porra da alavanca ou o botão ficam longe, se você estiver usando cinto de 3 pontos você não alcança nem a pau! Conclusão, possível tecnicamente é, mas é todo um malabarismo pra fazer tudo sincronizado, a chance de fail é das grandes. O maluco tem que ser piolho, muito bem treinado!

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Padrão D20 – aciona no pé e libera num botão no painel

Outra coisa “divertida” é que há uma variação de opções entre modelos de caminhonetes, pra bagunçar os neurônios do beginner e divertir o mais xarope. Não sei exatamente anos e modelos, mas algumas F-100 e C10, por exemplo, possuem o freio de mão um pouco diferente do convencional, mas ainda assim, de fato, na mão. C10 é a mais legal que ele fica na mão direita, e a liberação é só girar a alavanca. O esquisito é que ela fica no painel, e não funciona em ângulo, é axial, e típico dos comandos daquela época, o curso é gigante. Novamente um cinto de 3 pontos impediria de chegar à alavanca, mas uma vez atingida, vai lá quase meio metro de puxada pra fazer travar.

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Padrão C10 – alavanca axial no painel do lado direito. Cara, deu trabalho pra achar uma foto de C10 com esse sistema!

F-100 tem a alavanca no mesmo esquema, também embaixo do painel, mas começa a encardir por que é do lado esquerdo. Então dá aquela atrapalhada, tem que chamar no freio e emprestar a mão esquerda pro volante porque a direita foi pro câmbio, e depois da marcha engatada destrocar novamente pra poder liberar o freio. Interessante, divertido.

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Padrão F-100 – alavanca axial do lado esquerdo

Tem também umas F-1000 e D20 que têm uma desgraça dum mecanismo. É uma alavanca em baixo do painel, acionada pela mão esquerda, que fica vertical apontada pro chão e quando acionada vem na horizontal apontando pra trás. É uma desgraça total, não tem nem dosagem, é on-off, e pra pegar a alavanca tem que levar a mão quase no pedal de embreagem. Escroto.

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Padrão F-1000 – sistema escroto do tipo on / off acionado pela mão mas que fica lá no pé

Mas no final o que eu ia falar mesmo é da Veraneio. Essa tem uma configuração que eu particularmente não conheço em outro carro. A alavanca é embaixo do painel, do lado esquerdo, mas com movimento em ângulo, ela roda no plano horizontal saindo em direção o joelho direito do condutor. A liberação é um trem esquisito também, não é bem um botão, é meio uma outra alavanca embutida atrás da principal, sei lá. Cara, é estranho, quando estacionado você até consegue usar a mão esquerda pra acionar o freio, mas a pegada não fica ergonômica. Aí eu já inventei, sei lá se os outros fazem isso, mas eu passei a acionar com a mão direita. De cara já vem a treta do cinto, se for de 3 pontos você também não chega lá nem fudendo. Também, tem que atravessar o braço direito lá na extrema esquerda, por baixo do volante, quase como indo buscar o bico do pé esquerdo, pra então puxar a alavanca. Aí quando já a uns 45 graus o lance fica melhor, na medida certa pra imprimir força de direita. E te digo, vai precisar de força! Diferente das outras caminhonetes, que são caminhonetes propriamente ditas, com carroceria aberta, a Veraneio possui parte significativa das mais de 2 toneladas lá atrás, em cima do eixo traseiro. Com esse peso todo o esforço pra fazer travar tem que ser dos grandes, ainda mais com aqueles freios a lona frouxões que tinham naquela época. E na minha Veraneio em particular ainda tinha mais um agravante: a traseira era calçada com patonas largas, de 295 na tala 11. É muita borracha sentada no chão pra conseguir fazer escorregar!

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Padrão Veraneio – alavanca em baixo do painel do lado esquerdo, freio não acionado

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Padrão Veraneio – alavanca em baixo do painel do lado esquerdo, freio acionado

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Sistema maluco para destravar o freio de mão

Agora um lance engraçado, eu tenho uma cicatriz no antebraço direito, que eu ganhei num cavalo de pau desses. “Como assim, você capotou a Veraneio? Bateu?” Não. Só dei um cavalo de pau mesmo, profissa, com força. O problema é que o volante tem lá seus 40cm de diâmetro, e fica meio apertado pra fazer essa zona toda, e na hora que chamei com força o volante ele passou queimando o braço direito que estava por baixo puxando o freio de mão, deixando uma marca nervosa. Tão nervosa que hoje, 15 anos depois, eu ainda cultivo uma cicatriz, uma cicatriz decorrente de um cavalo de pau, hehehe.

Bom, vocês podem estar se perguntando, se eu tenho tanta vontade de ver uma cena de uma Veraneio dando cavalo de pau, por que é que eu não faço um com a minha e gravo pra depois assistir? É, eu poderia fazer isso, mas não hoje. Basicamente porque ela está sem freio de mão. Anos atrás eu reconstruí completamente o painel dela, mais próximo do motorista, e nisso o mecanismo original do freio de mão caiu fora. O plano era adaptar uma nova alavanca no esquema convencional, o que eu comecei a fazer, fabriquei a estrutura de fixação, montei a alavanca no lugar, adaptei o baú pra acomodar tudo, mas até hoje não liguei os cabos. Enfim, quem sabe um dia eu faço esse vídeo. Eventualmente um da hora que eu posso tentar fazer é com a outra Veraneio da família, uma 91 S4T-Plus. Só que essa é do modelo zuado que falei acima, com freio no pé e liberação no botão no painel. Vai dar um trampo pra fazer sair algo bacana, hehehe.

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Adaptação na minha Veraneio atual – alavanca do freio de mão alocada na posição convencional

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Bônus vídeo: pouco tempo depois de ter escrito o texto tive a oportunidade de dar um rolezinho no terrão com a Veraneio 91 e deu isso aí. Nem sabia que estava sendo filmado, senão tinha caprichado mais, hehehe, poota cavalo de pau migué, mó beginner!

 

Minha verdade sobre pneus

23 ago

Tempos atrás eu já tinha visto um texto circulando na internet sobre esse assunto, no qual um “especialista” apoiado por uma apresentação cheia de logotipos de fabricantes de pneus contradizia aquela grande verdade que nossos avós, pais e nós mesmos sempre acreditamos: de que os melhores pneus devem ficar na dianteira do carro. Fiquei momentaneamente indignado mas depois desencanei, afinal, na internet qualquer babaca pode criar qualquer baboseira e ainda fazer circular como se fosse verdade. Mas aí dias trás andei vendo na internet repetidamente algo que realmente me incomodou, uma reportagem de mídia especializada demonstrando e “provando” que o correto é o contrário daquilo que sempre pensamos, que na verdade os pneus bons devem ficar na traseira do veículo.

Já vou adiantar logo de cara o que eu acho: Bullshit!

Aliás, tremenda irresponsabilidade utilizar um meio (infelizmente) tão cheio de credibilidade e formador de opinião para divulgar uma historinha cheia de meias verdades.

Aí você me lê afirmando isso dessa forma tão categórica e pensa “esse babaca acha que sabe mais que os especialistas?”. Te respondo: sim e não.

Sim: porque essa nossa mídia “especializada” está cheia de repórteres formados em maionese que resolveram escrever sobre carro. Já diziam, ignorância é uma benção, como é incômodo conhecer um pouquinho mais sobre um assunto e perceber que mais de 90% do que se encontra nas mais renomadas mídias é um grande saco de besteiras sem fundamento algum.

Não: porque o cara que narra e demonstra a tal experiência é um cara que manja muito. O cara não só pilota demais, como conhece muito de carro. Tive o prazer de conhecê-lo pessoalmente em 2002 quando fiz um poota treinamento animal em que ele era um dos instrutores, quando aprendi muita coisa legal, além de ter me divertido pacas. Fiquei fã do cara. Curiosamente esse treinamento, promovido pela BMW, é o tema do meu primeiro post aqui no blog. Também curiosamente ele era realizado no campo de provas da Pirelli, exatamente o mesmo lugar onde a tal matéria faz a demonstração. O que me deixa triste, pelo cara inclusive, é ver a postura vendida que tem que se submeter, provavelmente acatando às estupidezes do editor chefe especializado em maionese. Acredite, já vi matérias no conhecido programa que ele faz no domingo de manhã em que proferia teorias totalmente contraditórias àquelas que ele defendia de maneira muito bem fundamentada no treinamento da BMW. Ainda vou falar sobre isso aqui no blog.

Mas então, você está dizendo que o que o cara falou é tudo mentira? Não, a maior parte é verdade! O problema é que é só meia verdade. Aliás, nem meia, aquilo não é nem 10% da verdade! E pra defender minha opinião não vou nem insistir nos aspectos técnicos. Vou discorrer sobre eles, sim, mas meu argumento é simplesmente matemático, estatístico.

Mas antes de mergulhar no assunto, quero deixar claro uma coisa: o certo de verdade é você ter 4 pneus iguais no seu carro. Tenha um mínimo de zelo pelo seu carro e sua segurança e faça o rodízio periódico dos pneus, e quando for trocar troque os 4 de uma vez. Não dói, não custa mais, vai por mim. Mas beleza, mergulhando no assunto, vamos supor que por alguma circunstância você se encontra com um veículo com pares de pneus em condições bastante diferentes, o que fazer então?

Vamos lá:

Primeiro ponto técnico: praticamente em nenhuma condição um pneu em fim de vida te dará mais aderência que um pneu novo. Isso mesmo, simples assim. Incrivelmente já vi por aí alguns tentando defender que o pneu careca tem mais aderência porque a área de contato é maior, já que ele está “slick”. Tremenda idiotice, mas não vou querer te explicar aqui o porquê. Se o próprio Milliken diz “these mechanisms are not totally understood”, não sou eu que vou te explicar em um parágrafo. Aceite.

Segundo ponto: baseado na condição acima, o eixo do carro que receber os pneus novos será o que proporcionará maior aderência. Também simples assim.

Aí vem a pergunta que gera essa polêmica toda: em que eixo eu preciso de mais aderência?

A resposta já não é tão simples: depende. Isso mesmo, vai depender de uma série de fatores, haverá condições onde lhe será mais conveniente / seguro / confortável ter os pneus novos na dianteira e haverá condições em que você os desejará na traseira.

E como eu determino o que é melhor pra mim?

Olha, você individualmente, com seu uso particular e específico, eu poderia até dar uma opinião diferente da média, mas para a grande massa, para fazer uma recomendação comum, eu vou olhar pelo aspecto estatístico: a quais dessas diferentes condições está sujeita a maioria dos condutores com maior frequência? A situação que ocorre com maior frequência e ponderadamente oferece maior risco é aquela que eu mais vou procurar me proteger.

E quais são essas condições?

Voltando pro aspecto técnico mais um pouquinho, fundamentalmente você precisa de aderência do pneu em 3 condições: aceleração, frenagem e curva. Vamos começar pela curva, que é justamente a que a referida matéria unicamente se apoia para formar sua opinião.

Falando de maneira simplificada, o eixo que tiver menor aderência será o que derrapará primeiro. Um carro chamado neutro é aquele que ao imprimir velocidade limite em uma curva terá as 4 rodas derrapando ao mesmo tempo. Isso é uma condição muito rara de se obter, em geral o veículo irá despregar um dos eixos primeiro, e na grande maioria dos carros será o eixo dianteiro (propositalmente). Eu falo um pouco sobre isso nesse post, não vou entrar em detalhes aqui, mas o lance é que por questão de segurança é muito melhor – pensando na grande massa de condutores comuns – que o carro escape sempre a dianteira antes da traseira. É muito mais fácil controlar e retomar o carro ocorrendo dessa forma. E é exatamente isso que você vê na matéria, quando a dianteira escapa o cara simplesmente “larga” tudo e deixa o carro desacelerar, assim que atingir o limiar de aderência novamente o carro voltará a obedecer ao seu comando de curva, e você continua lá com o nariz apontado pra frente. Essa é a condição chamada de subesterçante. Já na condição oposta, sobresterçante, se a traseira descolar primeiro, você terá que dispor de muito mais talento pra manter o carro em linha reta até que ele perca velocidade e restabeleça a aderência, e a grande maioria das pessoas não terá capacidade pra isso e perderá o controle. Ou seja, sob esse aspecto é sensato afirmar que se deve evitar os pneus carecas na traseira, que é o que a tal matéria defende.

Mas te digo uma parte que eles não falam: mesmo estando mais seguro na dianteira, o pneu careca vai te prejudicar a capacidade de fazer curva de qualquer forma! A diferença só está em não conseguir fazer direito a curva olhando pra frente ou não conseguir fazer direito a curva girando e olhando pra todos os lados. Pensando exclusivamente na eficiência em fazer curva, essa tal condição subesterçante que eles defendem não está te trazendo benefício algum, que fique claro isso!

Só que agora vem um ponto bastante importante que pouca gente sabe: como citei acima, carros de passeio são calibrados para serem subesterçantes, em boa parte dos casos tendo sua capacidade de fazer curva propositalmente piorada para atingir esse resultado. Sendo assim, se você colocar pneus ruins na dianteira estará piorando ainda mais a capacidade de fazer curva do seu carro. Já o contrário, não necessariamente! Como o carro já tem a dianteira piorada com certa margem, você pode piorar significativamente a traseira que ainda assim ele continuará subesterçante. Ou seja, mesmo sendo verdade o que é mostrado no vídeo, você tem uma boa margem de piora na traseira até que de fato aquele “terrível” efeito ocorra.

Como assim, não entendi?

Vamos colocar em números de maneira bem simplificada: se em uma determinada curva o limite do seu carro é 60Km/h, quem está limitando é a dianteira, a traseira suportaria por exemplo uns 70Km/h. Ou seja, se você piorar a dianteira sua velocidade limite na curva vai baixar pra 50, enquanto na traseira você pode piorar um bom tanto e ainda assim seu limite continua sendo 60. Sacou?

Por isso que eu acho que nesse vídeo tem uma sacanagem: na primeira passada, com o carro saindo de dianteira, o cara fala que está a 70Km/h, mas ele não fala que velocidade precisou imprimir na segunda passada para que o carro escapasse de traseira! Aha! Meu camarada, arrisco a dizer, desde que aquele pneu na traseira ainda fosse legalmente usável, e não uma carcaça chegando no arame, o cara teve que vir significativamente mais rápido que os 70Km/h pra fazer aquilo acontecer!

Então vem cá, pensa comigo, agora que você tem um pouquinho mais de informação sobre como as coisas acontecem, o que você prefere: que seu carro tenha capacidade de fazer uma curva a 70Km/h com o risco de escapar de traseira (que é perigoso por ser difícil de controlar) ou não correr esse risco mas limitar a capacidade de curva apenas a 60Kmh? Difícil compromisso, concorda? E é aí que vem um detalhe muuuuito importante: as montadoras, fabricante de pneus e os formadores de opinião politicamente corretos vão pelo lado mais conservador.

Mas vamos agora para outra condição muito importante: frenagem. Não é tão complicado de compreender que quando você freia o carro uma boa parte do seu peso é transferida para a dianteira. Ou seja, são as rodas dianteiras que vão atuar com maior participação na sua capacidade de frenagem. E esse efeito é bastante significativo, acreditem, é possível em algumas condições extremas, com alguns modelos de veículo, imprimir uma frenagem tão forte que as rodas traseiras deixam de tocar o solo! Aí você pensa comigo, naquela situação de emergência num trânsito loco em que você precisa socar o pé no freio pra não entrar debaixo da carroceria dum caminhão ou não passar por cima da maldita velhinha desatenta, em que eixo você vai querer que haja maior aderência, dianteiro ou traseiro? Acredito que agora você concordou comigo sem pestanejar, é extremamente desejável que se tenha pneus em ótimas condições na dianteira, enquanto na traseira a condição do pneu pouca diferença fará.

Aí finalmente eu faço o gancho de volta com o início do texto em que eu disse que defenderia minha opinião em um aspecto estatístico: você, motorista comum, assim como sua mãe, seu tio avô ou sua namorada, que no cotidiano usa o carro para ir ao trabalho, levar as crianças na escola ou passar um final de semana na praia, que situação de emergência você acha que lhe ocorre com mais frequência:

– uma frenagem de emergência, seja ela na cidade ou na estrada

– fazer uma curva fechada em alta velocidade em um dia de chuva

Caras, até eu que sou um condutor diferenciado (por estar boa parte do tempo armando umas presepadas) me deparo com muito mais frequência com a necessidade de frenagens mais intensas do que uma curva perigosa.

E aí, de conhecimento disso tudo, o que você escolhe?

É discutível, mas supondo que essa situação da derrapagem de traseira lhe seja muito mais perigosa que uma pancada de frente, o que você prefere: se proteger contra algo perigoso que tem chance de 1% de acontecer ou se proteger contra algo não tão perigoso mas que tem 50% de chance de ocorrer? OK, eu extrapolei nos números, mas o conceito é esse, vamos nos preocupar com aquilo que na prática é o mais comum de ocorrer!

E vejam que eu me ative apenas a duas das várias condições que citei existir, mas se for garimpar vai achar ainda mais coisas que contribuem para a minha opinião. A situação de tração é outra que um pneu ruim pode lhe causar insegurança ou ao menos desconforto. Como a maioria dos carros é tração dianteira, o pneu careca na frente é aquele que vai foder com sua tia na hora de sair no farol na subida da Avenida Pompéia num dia de chuva. Outra coisa, pneus com menos borracha estão mais suscetíveis a furos, e não é gostoso na Fernão Dias a 100Km/h no meio de uma ultrapassagem de uma sequência de carretas ganhar um pneu repentinamente murcho.  Carros mais modernos são calibrados pra que um pneu repentinamente murcho na dianteira não foda tanto sua vida, mesmo em alta velocidade, mas ainda assim, quem nunca experimentou, acredite, não é uma sensação boa. Já na traseira, mesmo num carro velho e ruim, pouca coisa interfere na sua condução. Se for um carro novo e bom, é capaz de você rodar alguns quilômetros e nem perceber!

Viu como é? E vai vendo, de boa, se garimpar você vai continuar achando outros pequenos motivos pra não ter um pneu ruim na dianteira.

Enfim galera, essa é minha opinião. Por mais que haja condições em que seria recomendável ter pneus melhores na traseira, eu ainda acho que, pra grande maioria dos condutores, na grande maioria das situações, o pneu melhor na dianteira vai te trazer mais segurança. No meu carro, com minha esposa e crianças dentro, se a situação me obrigasse a ter pares de pneus diferentes, os melhores iriam pra dianteira!

Mas de boa, eu duvido que isso ocorra. Caras, como comentei já algumas vezes e no final é essa a mensagem mais importante que eu gostaria de passar: pra que ter pneus diferentes no carro? Porque deixar um par gastar muito mais que o outro? Se o carro é seu e é você que controla, o que você tem que fazer é nunca deixar isso acontecer! Deu 20 mil, viu que está gastando mais em um eixo do que em outro, faça o rodízio! É tão simples! Pode chegar lá de calça social e camisa branca mesmo, encosta no borracheiro barrigudo da quebrada e solta 20tão na mão do mano, não precisa nem descer do carro, antes que você corra todo o  feed de notícias do seu Face no iPhone o cara já terminou de rodar os pneus!

E pensa comigo de novo pra finalizar: mesmo que você não concorde com o que escrevi acima, se você tem na sua mão uma mídia politicamente correta, cheia de exposição e formadora de opinião, ou seja, cheia de responsabilidade social, você vai gastar seu crédito ensinando a massa a fazer uma gambi??? Em vez de fazer uma porra duma matéria dizendo onde você deve enfiar os pneus carecas, faz uma porra duma matéria dizendo que não é pra usar pneus carecas!!! Porra!!! Faz uma porra duma matéria ensinando que com 20tão você cola em qualquer borracharia com poster desbotado da Simoni pelada na parede que o barrigudo com o cofrão aparecendo em menos de 10 minutos faz a porra do rodízio de pneus do seu carro! Faz uma porra duma matéria dizendo que quando chegar no TWI (tread wear indicator) você deve trocar os pneus, os 4, e em hipótese alguma você deve dar o jeitinho brasileiro e mandar riscar os pneus, pra fazer ele ganhar uma merrequinha de vida útil a mais! Faz uma porra duma matéria dizendo que em hipótese alguma, para sua segurança e dos outros que trafegam na mesma estrada que você, você deve colocar uma bosta dum pneu remold no seu carro, e que essa bosta desse pneu remold no final das contas vai te sair mais caro que um pneu zero de boa marca! Faz uma porra duma matéria mostrando que pneu remold é um lixo e deveria ser proibido! Faz uma porra duma matéria criticando que pneus no Brasil custam 4 vezes mais caro que em outros lugares do mundo, e isso força a população “esperta” a usar pneus carecas, riscados ou remolds e colocar não só a vida deles em risco mas também a sua, que mesmo com pneus bons e novos usa a mesma estrada que o maldito irresponsável ou desinformado!

Enfim, pneu é um dos componentes mais importantes de um veículo, é onde tudo começa, qualquer livro de dinâmica veicular introduz o assunto falando sobre pneus. São aqueles poucos centímetros de área de borracha tocando o chão que podem ser responsáveis pela sua vida e de outros, então não brinque com eles, não é difícil, o esforço para fazer a coisa certa é mínimo em relação às consequências que um mau uso trará a você e aos outros à sua volta.

Como se divertir com tração dianteira

24 jan

FWD

Eu estudei a vida toda em escola pública, na época de primário e ginásio eram daquelas escolas de periferia, meio toscas mesmo. E lá não havia atividade que não fosse aula, era aula e recreio, só isso. Portanto hora do recreio não era hora de comer, era de brincar, pega pega, polícia e ladrão, ou o preferido, futebol. Só que diferente das outras coisas futebol precisa de um elemento para jogar, a bola, e em geral a escola não permitia que levasse. Mas aí você acha que aquele bando de moleque retardado de 2ª ou 3ª série vai deixar de jogar bola só porque não tem uma bola? Que nada, a vontade de curtir e a criatividade criam soluções incríveis. Nessa hora qualquer coisa vira bola, um saco cheio de lixo, a mochila daquele colega que todo mundo zoa, ou um dos mais tradicionais, uma embalagem de todinho. Mas cara, pensa, embalagem de todinho não tem nada a ver com uma bola, bola é redonda, todinho é quadrado, mas ainda assim, a molecada se divertia, tirava mó onda, quem olhava de fora nem perceberia a diferença na alegria e curtição quando comparado com uma situação em que houvesse uma bola de verdade. Moral da história, mesmo que não seja o ideal, se você só tem aquilo, passa a ser o melhor que você tem, então esquece que poderia ser diferente e curta daquela forma. Mas veja bem: se aquela molecada está lá curtindo com o todinho e de repente chega alguém com uma bola de verdade, não tenha dúvidas, não interessa se o maluquinho estava lá pra bicar pro gol sem goleiro, vai largar na hora o todinho e partir pra bola! Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa, uma vez que há uma bola qualquer outra coisa vira lixo.

Agora você me pergunta, o que isso tem a ver com carros? Isso pra mim é uma analogia perfeita com carros de tração dianteira! Quem não concorda sinto muito, pode me xingar a vontade, vai falar o que quiser, mas pra mim FWD serve pra levar a mãe na feira, pra dar pra mulher ir no cabelereiro, definitivamente não foi concebido para trazer diversão a quem dirige. E pode ser o que for, mesmo essas banheiras asiáticas cheias dos mognos no painel, eletrônica pra tudo que é canto, cheia das firulas e eventualmente até mais do que meros 4 cilindros bundões, continua sendo um FWD, ou seja, um mero meio de transporte, uma simples condução. Não tem jeito, não tem tesão. O FWD está para o RWD assim como o todinho está para a bola, um é quadrado, outro é redondo, quando o que você precisa é algo que role!

Eu particularmente nunca comprei um carro com tração dianteira, e pra não dizer que não há nenhum FWD em casa, no meio da frota aqui ainda há um remanescente que era da minha mina desde a época de solteira, um Uninho Fire. Mas é lógico que ao longo de toda a minha vida como motorista os FWD sempre estiveram presentes. Meus pais, como pessoas normais, tiveram a maioria dos seus carros FWD, e por muitos anos, mesmo na época que eu já tinha meu próprio RWD caindo aos pedaços, continuava usando os FWD da família porque era o que tinha de viável.

Pois bem, se o que tem é isso, então é o melhor que tem, esquece que eu poderia ter um RWD modelo X, Y ou Z na minha mão naquele momento e vamos tratar de tentar tirar algum prazer da condução daquela titiquinha de plástico com tração dianteira. Só que aí tem uma coisa interessante, por mais que RWD ou AWD sejam muito mais legais, são mundos distintos do FWD, o que significa que há coisas que o FWD faz que os outros não fazem! Aha, aí é que está a sacada! Vamos explorar e tirar uma onda no FWD com aquilo que só dá pra fazer com ele!

Uma das principais diferenças é que, ao contrário do RWD em que as rodas do eixo trativo não esterçam e consequentemente só imprimem tração no sentido longitudinal do carro, no FWD você consegue apontar a tração para a direção que você quer seguir. Ou seja, você usa a tração para te puxar para o centro da curva, o que eventualmente pode te dar mais cornering force. Outra coisa interessante é o uso do freio de mão, como a tração está na dianteira ela não disputa com ele, é possível chamar a alavanca com força e continuar a mesma tocada que você estava na tração, sem briga entre os sistemas. Eventualmente até mesmo o freio normal do carro consegue criar esse efeito, ele freia nas quatro, só que na dianteira o freio disputa com a tração e não consegue travar, na traseira como ele está agindo sozinho então consegue, ou pelo menos ficar na eminência de.

Tá certo que há mais alguns detalhes aí no meio, mas de maneira geral se você soma essas duas coisas consegue um resultado muito parecido com o que vemos nos campeonatos de rally, o cara fazendo a curva de lado e com eficiência. Agora por favor, não vá confundir as coisas! Um tuningueiro de carteirinha já diria “ah, você quer fazer drift”. A resposta é não! Apesar do visual para quem não conhece ser muito parecido entre uma coisa e outra, na prática são objetivos totalmente diferentes. Aquilo que os manos faziam em Tokio no F&F3 é coisa teatral, mera apresentação, aquilo na prática, tirando raras exceções, não serve pra nada a não ser gastar pneu e fazer a curva mais devagar do que faria se as quatro rodas estivesse gruadadas no chão. Tecnicamente falando, aquela escorregada piora, e muito, a capacidade de fazer curva do carro. Já o que os caras fazem em rally é o contrário, o cara quer fazer curva o mais rápido possível, ele está correndo contra o cronômetro. Então você acha que o cara está preocupado se aquela curva vai sair bonita na televisão? Que nada, se subesterço fizesse o carro fazer a curva mais rápido seria isso que ele faria, por mais feio que seja ver o carro escorregando a frente. Mas felizmente, para o deleite dos espectadores, a maneira mais rápida de fazer a curva é daquele jeito, com aquele visual incrível dos carros escorregando com as quatro, sempre a traseira parecendo querer ultrapassar a dianteira e o piloto afundando a bota para não deixar.

Só que também seria um ledo engano achar que nossas tranqueirinhas modernas de plástico FWD vão se comportar como os hatchzinhos do WRC se comportam. Por mais que a estrutura da caranga do mano seja a mesma do carro de passeio, por exemplo, um Fiesta, o resto é totalmente diferente, outro mundo, o carro é calibrado pra andar daquele jeito. Já nossos FWD do dia a dia tem um defeito terrível, só que proposital: são calibrados, eventualmente até mesmo muito piorados na sua capacidade de fazer curva, para que tenham uma característica totalmente subesterçante. Isso por questão única de segurança, pensando que 99% dos condutores serão motoristas comuns, com reações comuns de um ser humano normal. Pense você, está lá numa estradinha meio sinistra, escorregadia, você está lá fazendo uma curva meio fechada, acelerando, e de repente por algum motivo qualquer seu carro escapa a traseira, qual a sua reação? Tem um monte de lontra aí que ainda me mete o pé no freio, aí embuceta tudo de vez. Alguém um pouco mais contido iria aliviar todos os comandos de pé, sem acelerador, sem freio, e se ainda tiver um instinto um pouquinho mais apurado vai tentar uma correção no volante, contra esterçando. Mas a solução ideal ainda não é essa, você quer fazer a traseira voltar pra linha, soca o pé no acelerador. Isso mesmo, pensa uma coisa, se a traseira já jogou, fazendo um pêndulo sobre a dianteira, hora que você tirar o pé do acelerador você está segurando ainda mais a dianteira, enquanto a traseira está solta, você então está provocando ainda mais o pêndulo. Se você acelera, a dianteira vai puxar o carro, se ainda estiver em tempo e seu motor tiver fôlego pra fazer a dianteira ganhar a disputa, a traseira vai voltar. Só que vai falar para uma pessoa comum fazer isso, “olha, se seu carro ameaçar rodar, você acelera o máximo que conseguir, viu!”. É contra os instintos, mesmo quem é treinado, e faz isso de propósito na situação controlada, se pegar uma situação inesperada ainda corre o risco de se atrapalhar nos pedais.

E é por isso então que carros de passeio FWD para meros mortais são extremamente subesterçantes, pra não deixar acontecer em hipótese alguma o carro escapar a traseira, pois se escapar certamente o condutor não a fará voltar. Isso é uma coisa muito mais legal nos RWD, lá é o contrário, se a traseira escapou você tira o pé do acelerador que dá freio motor, é o melhor esquema, segura sem travar, e como a dianteira está solta você cria aquele mesmo efeito de “esticar” o carro, a dianteira ganha da traseira e essa última se alinha de novo. Nesse aspecto você vê que o tração traseira não precisa ser piorado, pelo menos não tanto quando o FWD, não é necessário criar na marra essa característica subesterçante, e o carro oferece uma condução muito mais neutra, muito mais prazeroso de guiar.

Mas voltando à diversão, que é o propósito desse texto, qual a maracutaia no FWD então? Por causa dessa patifaria toda de deixa-lo muito subesterçante pense que você terá bastante trabalho para fazê-lo sair de traseira em uma curva comum, com pavimentação em condições normais. Não é só entrar forte na curva, fazendo isso você só vai ver a dianteira querendo sair pela tangente desobedecendo totalmente seu comando de volante, mas a traseira continuará lá firme e forte bem grudada no chão. Certamente você terá que usar de recursos, aí você tem algumas opções. Uma que eu acho mais interessante é fazer o pêndulo, que aí nem usa freio e possivelmente deixa de perder alguma fração de segundos. A curva é pra esquerda, manda a caranga um teco pra direita, meio na violência mesmo, e imediatamente em seguida na entrada da curva devolve com vontade, mais violência ainda, com aquela gingada a traseira vai descolar. Veja o exemplo nesse primeiro vídeo abaixo.

ATENÇÃO: considerações antes de ver os vídeos:

1- não sou piloto

2- tive muito pouco tempo no ambiente controlado para fazer os vídeos, foi tudo praticamente one shot

3- faz mais de uma década que eu não ando de carro tração dianteira regularmente

Portanto, se você é metido a piloto e achar que “ah, nem saiu muito bom”, “nem está tão eficiente assim”, “dá pra fazer melhor do que isso”, ou coisas do gênero, sim, você tem toda a razão, dá pra fazer melhor, mas foi o que deu.

Outra opção que também é legal, porque envolve movimentos atípicos nos comandos de pé, é entrar na curva freando e acelerando ao mesmo tempo. Com a tração a dianteira não vai escorregar, mas a traseira que está só no freio vai querer começar a travar, aí a hora que entrar na curva e somar a cornering force o pneu não vai aguentar e vai perder atrito, aí a traseira escapa. Mas se você tentar isso no seu carro e não acontecer como esperado, não venha me xingar. Primeiro que nos carros de passeio tradicionais outra coisa bem piorada é o balanço de freio, tira-se muito da capacidade do freio traseiro pelo mesmo motivo, não deixar a traseira travar primeiro que a dianteira e correr o risco de rodar. A outra coisa é que a potência de um sistema de freio é bem maior que a potência do motor, se considerar ainda que a grande maioria dos cacarecos nacionais são 1 ponto nada, pode ser que seu motor não tenha fôlego pra ganhar do freio. Ou seja, pra isso funcionar você tem que ter um motor forte e seu freio traseiro funcionar bem, senão não escapa mesmo! “Ah, quer dizer então que se eu tiver um Astra Hatch, 2.0 com freio a disco na traseira eu consigo fácil?” Mano, não se empolgue! Não adianta ter a ferramenta certa na mão se o peão não tem talento pra usar. Ter o carro certo não é o maior dos seus problemas. “Borra, então qual é?” Partindo do princípio que o objetivo é ser rápido, bater o cronômetro, você já vem desde lá de trás babando na reta acelerando até o último centímetro, pra em seguida, em uma mínima fração de segundo, você trocar aquela força toda do pé direito que estava no acelerador para o freio, porque agora você vai precisar fritá-lo pra chegar à entrada da curva na velocidade correta. Obviamente se aproveitando também do freio motor, passando marcha pra baixo jogando o giro lá em cima, e para isso fazendo o punta-tacco, que é cutucar o acelerador com o cantinho do pé enquanto o mesmo afunda o freio. Não sabe o que é o punta-tacco, ou nunca o fez?

Amigão, isso é o de menos, isso é o básico, aula beginner em relação ao que vem em seguida. Por quê? Porque brother, lembra que na hora que você estiver na curva você terá que frear e acelerar ao mesmo tempo? Então te digo, mesmo que você manje do punta-tacco, não é ele que irá te servir nessa hora. Você vai ter que esquecer a embreagem e usar o pé esquerdo para frear, assim você consegue ir dosando, calibrando com precisão a carga que você aplicará em cada um deles ao longo das variações de reação da caranga ao longo da curva. Tem até quem venha lá de longe na reta já freando com a esquerda, esquece a embreagem, e vem mandando as reduzidas no tempo, eu até acho charmoso fazer isso, mas minha preferência é mesmo vir freando com a direita, no tradicional, reduzindo com auxilio do punta-tacco, e na entrada da curva trocar os pés, o direito deixa o freio e fica só com o acelerador e o esquerdo esquece a embreagem e fica só com o freio. “Putz, xudeu, olha o tamanho do parágrafo que o mano escreve pra explicar e eu ainda não consegui pintar a figura na minha mente de como exatamente funcionaria.” Então bro, faz assim, se você nunca freou com o esquerdo, começa brincando na manha, numa rua vazia, em velocidade reduzida, e preferencialmente sem carona, porque por mais que você acerte o primeiro, o segundo, na hora que passar o mosquito na sua frente você vai esquecer que o esquerdo está no freio e pisar como se fosse a embreagem, se o carona estiver sem cinto corre o risco de ganhar uma consulta com o odontologista protético. Mano, depois que você dá uma dessas que você percebe o quão diferente é a força que você imprime na embreagem em relação ao que faz com o freio no normal do dia a dia.

Mas seguindo adiante, se isso tudo não rolar, não há algo mais prático, mais fácil que possa ser usado pelo menos de início pra tirar uma onda? “In fact, the only way I can enjoy myself and put a smile in my face, is to use a few little tricks, like uhh… like the handbrake… Don’t tell Audi though!” (Tiff Needell, Top Gear – Audi RS4). Yes man, the handbrake, o tal do freio de mão! Cara, sob ponto de vista de eficiência teórica ele pode até se mostrar como um inimigo do cronômetro, mas na prática em algumas situações é a única salvação pra você conseguir apontar o carro pra onde você quer que ele vá, e não pra onde ele quer ir. Uma cutucada simples na entrada da curva é o suficiente, já desprega as rodas traseiras do chão e o carro começa a virar, pronto, você conseguiu o que queria, está agora olhando pra frente e enxergando do barrando do lado de dentro da curva.

Mas e aí, e agora, a traseira se foi, é isso? Mano, agora é que vem a pegada cabulosa! Depois que a traseira sair esteja preparado, você é quem vai ter que segurar. E te digo, considerando toda essa sacanagem dos FWD originais que citei acima, a margem é pequena! Demorou, ou foi muito leve no pé direito, o bicho vai rodar de vez e você vai poder olhar diretamente nos olhos do brother que vinha te seguindo, sem virar a cabeça. É isso mesmo, o carro calibrado desse jeito fica 8 ou 80, dá um trampo docarái pra fazer ele sair, mas depois que saiu o suficiente dá dois trampo docarái segurar ele andando de lado.

Agora a dica, seja lá qual o método acima que você vai usar, se for tentar faça isso em algum lugar controlado, vai lá na fazenda do seu vô cheia de plantação de cana dos lados, se der mierda não xode a caranga, no máximo você vai tombar o suficiente pra fazer uma garapa pra família toda. Mas cara, te digo, depois que você pega a manha, o barato fica divertido! Quando o negócio começa a ficar pró você nem fica mais variando o controle, o golpe inicial é preciso, joga a traseira exatamente lá onde você precisa, a curva você faz inteira de pé no fundo – cara, pé no fundo mesmo, uma delícia fazer curva assim!!! – e você vê o corpo do carro se esparramando por toda a extensão ideal que você queria do trajeto. Do golpe a dianteira aponta pro centro da curva e a traseira vai lá embora, à medida que vai chegando ao meio da curva a frente vai se aproximando do barranco / calçada / cerca, seja lá o que for. Mais lindo ainda se o para-choques dianteiro passar lambendo qualquer um desses, se for calçada então, quem tá de fora vê a frente passando por cima!

Passou o meio da curva, aquela tensão de ver o carro esparramando pra tangente, você sabendo que o barranco de fora está chegando mas continua de olhar fixo onde você quer que o carro vá, a reta da saída da curva, até que chegando perto você sente que já não precisa mais da tração pra puxar o carro pra dentro, começa a alinhar o volante pra aprumar o carro retinho pra reta, e nisso vai voltando aquele equilíbrio e tanto dianteira quando traseira chegam exatamente juntos no lado de fora da curva, a milímetros de tocar o barranco / calçada / cerca ou o que for, só que daí pra frente é só reta, e você já está de pé direito no fundo, motor cheio, carro pregado nas quatro e apontando perfeitamente pra onde você deseja. Cara, que tesão! Quando você finalmente consegue fazer uma dessas sai com aquele sorriso igual do Coringa, de orelha a orelha! Seu brother no banco do carona também, mas pode ter certeza que enquanto você olhava fixo pra sua meta, que é a reta depois da curva, ele estava vendo é o barranco / cerca  / calçada se aproximando de um lado, e depois do outro, e o extremo oposto do sistema do corpo do qual a boca faz parte estava contraído inversamente proporcional ao relax do sorriso que ele dá depois lá na reta.

Aí você começa a falar disso com uns brothers que também são da área, fazer umas brincadeiras, e vem uns entendidos, uns babacas aí desses que dão cursinhos teóricos de pilotagem, que vão dizer que:

“não, imagina, você não pode deixar o carro escorregar, o atrito dinâmico é sempre menor que o atrito estático, bla bla bla, pra você fazer a curva mais rápido tem que estar com as quatro rodas firmes, bla bla bla…”.

Bullshit!!!

Quer dizer que os manos do WRC só fazem aquilo pra sair bonito na TV, depois eles combinam quem vai ganhar? Mano, se escorregar fosse ruim os carros de rally não teriam uma alavanca de freio de mão na altura do ombro do mano! Ari Vatanen não virava filme! Tiff Needell não passaria episódios e episódios xingando os carros originais de “understeering, understeering” e fazendo mutretagem pro bicho despregar a traseira! É útil sim, é necessário, tem horas que você precisa sacrificar uma fração de segundo sua cornering force pra colocar o carro no prumo, apontando ele naquele ângulo em que VOCÊ tem o controle total da situação, e continuar daí usando fundamentalmente o acelerador. Mas lógico, tudo tem seu momento, cada situação tem sua receita. No asfalto você não vê os manos do WRC despregando tanto, só nos U-turn, porque naquela situação é sim mais interessante daquela forma. Mas não pense que isso se resume apenas a uma questão de terra ou asfalto, veja as categorias baixas do turismo que vai ver as porcariazinhas FWD de plástico andando tudo de lado na curva. E mesmo situações em que o usual é fazer pregado, não significa que uma leve escorregadinha não traria algum ganho, mas por outros fatores, por exemplo poupar pneus, acaba se evitando. Edgar de Mello Filho também diria isso, ao varar o Bico de Pato ao contrário no banco do carona do “chefia”.

Enfim, essa é a parada. Você pode até estar jogando com a bola quadrada, cobiçando seu vizinho que tem a bola redonda, mas não se deixe desanimar, seja criativo, seja ousado, aprenda e use o recurso que você tem na mão, te garanto que você será muito feliz. Eu já fui, adorei ter feito isso, mesmo sendo depreciador dos FWD. Como dizem por aí, o que seria do preto se não existisse o branco, não tem como apreciar algo com convicção se você nunca experimentou a outra opção. E minha convicção é essa, carros com tração dianteira definitivamente não foram feitos para dar diversão ao condutor, só não significa que você não possa improvisar. Mas ainda assim, não há substituto, me surja com um RWD ou AWD que eu vou fazer igual ao pirralho bicando o todinho pro gol, largo na hora o FWD e vou correndo pegar os outros!

Filmado com GoPobre®:

AB

CD