Cavalo de pau peso pesado

1 dez

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Imaginem a cena de uma Veraneio dando um cavalo de pau. Mas quando digo cavalo de pau não estou me referindo àquelas derrapagens “controladas” como essa da foto que se costumava ver na época da Rota, que era mais um efeito colateral de quem, em teoria, queria apenas fazer com eficiência uma curva de 90 graus. Aqui estou me referindo a cavalo de pau mesmo, 180 graus, hairpin, aquele em que a frente parece pregada no chão pela roda dianteira interna à curva, e a traseira percorre todo o semicírculo até que o nariz aponte no sentido oposto. Olha, se para um desavisado uma cena dessas com um carro comum já seria no mínimo inusitada e surpreendente, imaginem se tratando de um trambolho de mais de duas toneladas e com nítida inaptidão a manobras mais audazes. Cara, na boa, deve ser algo bem da hora de se assistir!

Pode parecer paradoxal, mas mesmo tendo vivenciado muitas vezes essa cena eu não posso dizer que cheguei a ver uma, assim da maneira que descrevo, pelo lado de fora.

Dar cavalo de pau com o carro não é lá grande novidade, aposto que muita gente que nesse momento lê esse texto, quando molecão, chegou a armar umas patifarias com aquela caranga do pai, careta, bundona, de uso civil, com massa não muito diferente de 1000Kg, e que os instrumentos de comando estão todos na disposição convencional. Mas arrisco a dizer, com grande confiança, que uns 90% aqui nunca sequer guiaram um carro com tração traseira, o que implica consequentemente em nunca terem tido a oportunidade de tomar o comando de algo com mais de 1 tonelada e meia. Em outras palavras, nunca dirigiram uma caminhonete de verdade. E mesmo para aqueles que já tiveram contato com caminhonetes full size, do tipo aquele tio avô que tinha uma F-1000 ou D20 na fazenda, a realidade do dia a dia com carro comum é totalmente diferente, e já pra começo de conversa sequer teriam alguma intimidade com os comandos da caminhonete, quanto mais arriscarem a fazer aquela merda que algum dia já fizeram com o Uninho da mãe. Realmente, os comandos de uma caminhonete, principalmente full sizes mais antigas (mid size modernas estão mais para um carro de passeio de plástico marombado), a interação com pedais, volante, alavanca de câmbio, e, principalmente, “freio de mão” é totalmente diferente. A real é que em grande parte das vezes o freio de estacionamento nem é na mão, é no pé! Entre essas e outras é que acaba sendo muito rara a possibilidade de presenciar uns malucos dando cavalo de pau com caminhonetes.

Ah, mas calma aí, tem mais um detalhe importante: quando eu falo em cavalo de pau temos que pensar na manobra completa, não adianta girar o carro e depois ficar parado lá por eternos poucos segundos para então sair andando novamente. Cavalo de pau profissa é que aquele que não tem parada, é uma manobra contínua, você estava vindo em um sentido e de repente está voltando no oposto, e não vindo – parou – voltou. Entende? É aquele em que a caranga mal completou as últimas dezenas de graus dos 180 e a tração já está comendo, o pé direito já afunda o assoalho, a fumaça dos pneus já não é mais causada pelo freio. Literalmente, não pode deixar a poeira (ou fumaça) abaixar!

Fazer isso, para quem tem mínima aptidão, não é uma tarefa tão complexa quando falamos de carro de passeio. A sequência, a alternância de ações entre embreagem e freio e mão, e eventualmente alavanca de câmbio, é algo até bem intuitivo, fluído. A primeira coisa é que o acionamento e a liberação do freio de mão estão no mesmo instrumento. Puxa a alavanca pra acionar, aperta o botão para liberar. Segundo, a alavanca fica na mão direita, deixando dessa forma a mão esquerda 100% para o volante. A pior coisa é ter que revezar a mão direita entre freio de mão e câmbio, mas ainda assim, são ações que ocorrem em momentos diferentes.

Por exemplo, você vem lá a uns 60km/h em segunda marcha, no momento desejado você dá aquela cutucadinha de leve no volante pra direita (ou esquerda, tanto faz) para logo em seguida fazer simultaneamente 4 coisas, uma com cada membro: mão esquerda chama com força o volante para a esquerda, mão direita chama com força o freio de mão pra cima, pé esquerdo aciona a embreagem e pé direito libera o acelerador. Pronto, a traseira desprega e o carro começa a rodar. Nesse meio tempo o pé direito pode parecer meio ocioso, mas está lá de prontidão para acionar o freio pra não dar de focinho no muro caso a traseira não tenha desprendido o suficiente. Até aí beleza, sem novidades, mas daí pra frente é que vem a parada da hora. Enquanto você espera aqueles longos décimos de segundos, com freio de mão travado, você aproveita a ociosidade da mão direita e manda primeira no câmbio. Aí em seguida, quando o giro está chegando próximo dos 180, você faz novamente uma sequência de movimentos quase que simultaneamente: volta a mão direita pro freio de mão e o libera, mão esquerda corrige o volante, pé direito vai no fundo, pé esquerdo solta pro lado. Pronto! O carro termina os 180 já não mais freando, mas sim tracionando – ou melhor, destracionando – enquanto imerge de ré na nuvem de fumaça branca que se inicia, pra poucos segundos depois emergir novamente já andando pra frente, rebolando e deixando marcas sinuosas no chão. Muito loco, não?, fala aí!

Vocês notaram que eu estou falando de carro de verdade, né?, com a tração nas rodas certas? Tudo bem, dá pra fazer com tração dianteira também, a diferença é que você pode chamar na chincha antes sequer de soltar o freio de mão, e deixa os eixos disputando entre eles. Dá hora também!

Sinto muito mas andei sem tempo de fazer videozinhos dessa vez, esse abaixo é antigo, do Como se Divertir com Tração Dianteira, não é exatamente a tal cena do cavalo de pau autêntico, mas mostra bem a alternância de comandos, é uma sequência maomeno assim

Agora vem a pergunta marota: como fazer a mesma cena com uma caminhonete? Manos, aqui as coisas jogam contra você. Não digo que seja impossível, mas na boa, o lance é treta. Mesmo tendo praticado muito com minha Ranger V6 americana o cavalo de pau sempre saiu amador, estacionado ao final. Na boa, o primeiro maluco que me mostrar um vídeo igual o meu acima, com a montagem sincronizada dos comandos, e conseguindo fazer o cavalo de pau non stop numa caminhonete com freio no pé eu pago uma caixa de breja!

Já começa que você vai precisar do pé esquerdo para o freio “de mão”, aquele mesmo que você precisa simultaneamente pra embreagem. OK, vamos ser espertos e improvisar, jogamos a caranga em ponto morto primeiro e desocupamos o pé da embreagem. Beleza, pé esquerdo então com força no freio “de mão” e o bicho roda. Freio travado, carro rodando, você pode voltar o pé à embreagem pra poder jogar primeira. Feito, primeira marcha na agulha, carro apontando na posição, e agora, como você solta o freio? Porra, já não bastava ter que usar o pé esquerdo para acionar, a liberação ainda é em outro lugar, com a mão esquerda. Seja numa alavanca lá em baixo, ou na porra de um botão no painel como nas D20. Você vai precisar da mão esquerda pra liberar. Bom, então troca de mão e usa a direita pra segurar o volante, certo? Pode ser, mas e aí quem vai trocar de marcha? Tá vendo a treta? E pra piorar, a porra da alavanca ou o botão ficam longe, se você estiver usando cinto de 3 pontos você não alcança nem a pau! Conclusão, possível tecnicamente é, mas é todo um malabarismo pra fazer tudo sincronizado, a chance de fail é das grandes. O maluco tem que ser piolho, muito bem treinado!

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Padrão D20 – aciona no pé e libera num botão no painel

Outra coisa “divertida” é que há uma variação de opções entre modelos de caminhonetes, pra bagunçar os neurônios do beginner e divertir o mais xarope. Não sei exatamente anos e modelos, mas algumas F-100 e C10, por exemplo, possuem o freio de mão um pouco diferente do convencional, mas ainda assim, de fato, na mão. C10 é a mais legal que ele fica na mão direita, e a liberação é só girar a alavanca. O esquisito é que ela fica no painel, e não funciona em ângulo, é axial, e típico dos comandos daquela época, o curso é gigante. Novamente um cinto de 3 pontos impediria de chegar à alavanca, mas uma vez atingida, vai lá quase meio metro de puxada pra fazer travar.

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Padrão C10 – alavanca axial no painel do lado direito. Cara, deu trabalho pra achar uma foto de C10 com esse sistema!

F-100 tem a alavanca no mesmo esquema, também embaixo do painel, mas começa a encardir por que é do lado esquerdo. Então dá aquela atrapalhada, tem que chamar no freio e emprestar a mão esquerda pro volante porque a direita foi pro câmbio, e depois da marcha engatada destrocar novamente pra poder liberar o freio. Interessante, divertido.

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Padrão F-100 – alavanca axial do lado esquerdo

Tem também umas F-1000 e D20 que têm uma desgraça dum mecanismo. É uma alavanca em baixo do painel, acionada pela mão esquerda, que fica vertical apontada pro chão e quando acionada vem na horizontal apontando pra trás. É uma desgraça total, não tem nem dosagem, é on-off, e pra pegar a alavanca tem que levar a mão quase no pedal de embreagem. Escroto.

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Padrão F-1000 – sistema escroto do tipo on / off acionado pela mão mas que fica lá no pé

Mas no final o que eu ia falar mesmo é da Veraneio. Essa tem uma configuração que eu particularmente não conheço em outro carro. A alavanca é embaixo do painel, do lado esquerdo, mas com movimento em ângulo, ela roda no plano horizontal saindo em direção o joelho direito do condutor. A liberação é um trem esquisito também, não é bem um botão, é meio uma outra alavanca embutida atrás da principal, sei lá. Cara, é estranho, quando estacionado você até consegue usar a mão esquerda pra acionar o freio, mas a pegada não fica ergonômica. Aí eu já inventei, sei lá se os outros fazem isso, mas eu passei a acionar com a mão direita. De cara já vem a treta do cinto, se for de 3 pontos você também não chega lá nem fudendo. Também, tem que atravessar o braço direito lá na extrema esquerda, por baixo do volante, quase como indo buscar o bico do pé esquerdo, pra então puxar a alavanca. Aí quando já a uns 45 graus o lance fica melhor, na medida certa pra imprimir força de direita. E te digo, vai precisar de força! Diferente das outras caminhonetes, que são caminhonetes propriamente ditas, com carroceria aberta, a Veraneio possui parte significativa das mais de 2 toneladas lá atrás, em cima do eixo traseiro. Com esse peso todo o esforço pra fazer travar tem que ser dos grandes, ainda mais com aqueles freios a lona frouxões que tinham naquela época. E na minha Veraneio em particular ainda tinha mais um agravante: a traseira era calçada com patonas largas, de 295 na tala 11. É muita borracha sentada no chão pra conseguir fazer escorregar!

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Padrão Veraneio – alavanca em baixo do painel do lado esquerdo, freio não acionado

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Padrão Veraneio – alavanca em baixo do painel do lado esquerdo, freio acionado

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Sistema maluco para destravar o freio de mão

Agora um lance engraçado, eu tenho uma cicatriz no antebraço direito, que eu ganhei num cavalo de pau desses. “Como assim, você capotou a Veraneio? Bateu?” Não. Só dei um cavalo de pau mesmo, profissa, com força. O problema é que o volante tem lá seus 40cm de diâmetro, e fica meio apertado pra fazer essa zona toda, e na hora que chamei com força o volante ele passou queimando o braço direito que estava por baixo puxando o freio de mão, deixando uma marca nervosa. Tão nervosa que hoje, 15 anos depois, eu ainda cultivo uma cicatriz, uma cicatriz decorrente de um cavalo de pau, hehehe.

Bom, vocês podem estar se perguntando, se eu tenho tanta vontade de ver uma cena de uma Veraneio dando cavalo de pau, por que é que eu não faço um com a minha e gravo pra depois assistir? É, eu poderia fazer isso, mas não hoje. Basicamente porque ela está sem freio de mão. Anos atrás eu reconstruí completamente o painel dela, mais próximo do motorista, e nisso o mecanismo original do freio de mão caiu fora. O plano era adaptar uma nova alavanca no esquema convencional, o que eu comecei a fazer, fabriquei a estrutura de fixação, montei a alavanca no lugar, adaptei o baú pra acomodar tudo, mas até hoje não liguei os cabos. Enfim, quem sabe um dia eu faço esse vídeo. Eventualmente um da hora que eu posso tentar fazer é com a outra Veraneio da família, uma 91 S4T-Plus. Só que essa é do modelo zuado que falei acima, com freio no pé e liberação no botão no painel. Vai dar um trampo pra fazer sair algo bacana, hehehe.

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Adaptação na minha Veraneio atual – alavanca do freio de mão alocada na posição convencional

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Bônus vídeo: pouco tempo depois de ter escrito o texto tive a oportunidade de dar um rolezinho no terrão com a Veraneio 91 e deu isso aí. Nem sabia que estava sendo filmado, senão tinha caprichado mais, hehehe, poota cavalo de pau migué, mó beginner!

 

4 Respostas to “Cavalo de pau peso pesado”

  1. gus 4 de abril de 2017 às 10:29 #

    rsrsrsr…meu amigo conseguia, no molhado: chamava na direção, desengatava e pezão no pedal do freio de mão (???), quando ela ameaçava parar de girar a mão esquerda já tinha soltado o freio e a mão direita engatava a primeira marcha puxando a alavanca – de câmbio – a esquerda e pra baixo: e pé no porão!!!
    A D-20 branca girava bonito e completamente…

  2. DM 6 de abril de 2017 às 14:12 #

    Legal! Mas aí vem uma pergunta: a mão esquerda estava liberando o freio e a direita estava engatando primeira, quem cuidava do volante? Hehehehe

  3. Daniel Girald 31 de julho de 2017 às 01:03 #

    Em veículos com câmbio manual esse esquema do freio de mão no pé sempre me atrapalha, fica difícil arrancar numa subida sem subir muito o giro ou eventualmente até fazer um burn-out mesmo que involuntário.

  4. Daniel Girald 31 de julho de 2017 às 01:05 #

    Já cheguei a ver esse esquema do freio de mão da Veraneio ser adaptado nas D-20 e nas F-1000 no lugar do original acionado pelo pé, e embora não seja necessariamente o mais fácil para manter o controle durante um cavalo de pau já me parece mais fácil para um uso normal. A propósito: um esquema que eu acho interessante é o do Fiat Ducato e do Peugeot 504, com a alavanca do freio de mão à esquerda do motorista.

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