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Cavalo de pau peso pesado

1 dez

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Imaginem a cena de uma Veraneio dando um cavalo de pau. Mas quando digo cavalo de pau não estou me referindo àquelas derrapagens “controladas” como essa da foto que se costumava ver na época da Rota, que era mais um efeito colateral de quem, em teoria, queria apenas fazer com eficiência uma curva de 90 graus. Aqui estou me referindo a cavalo de pau mesmo, 180 graus, hairpin, aquele em que a frente parece pregada no chão pela roda dianteira interna à curva, e a traseira percorre todo o semicírculo até que o nariz aponte no sentido oposto. Olha, se para um desavisado uma cena dessas com um carro comum já seria no mínimo inusitada e surpreendente, imaginem se tratando de um trambolho de mais de duas toneladas e com nítida inaptidão a manobras mais audazes. Cara, na boa, deve ser algo bem da hora de se assistir!

Pode parecer paradoxal, mas mesmo tendo vivenciado muitas vezes essa cena eu não posso dizer que cheguei a ver uma, assim da maneira que descrevo, pelo lado de fora.

Dar cavalo de pau com o carro não é lá grande novidade, aposto que muita gente que nesse momento lê esse texto, quando molecão, chegou a armar umas patifarias com aquela caranga do pai, careta, bundona, de uso civil, com massa não muito diferente de 1000Kg, e que os instrumentos de comando estão todos na disposição convencional. Mas arrisco a dizer, com grande confiança, que uns 90% aqui nunca sequer guiaram um carro com tração traseira, o que implica consequentemente em nunca terem tido a oportunidade de tomar o comando de algo com mais de 1 tonelada e meia. Em outras palavras, nunca dirigiram uma caminhonete de verdade. E mesmo para aqueles que já tiveram contato com caminhonetes full size, do tipo aquele tio avô que tinha uma F-1000 ou D20 na fazenda, a realidade do dia a dia com carro comum é totalmente diferente, e já pra começo de conversa sequer teriam alguma intimidade com os comandos da caminhonete, quanto mais arriscarem a fazer aquela merda que algum dia já fizeram com o Uninho da mãe. Realmente, os comandos de uma caminhonete, principalmente full sizes mais antigas (mid size modernas estão mais para um carro de passeio de plástico marombado), a interação com pedais, volante, alavanca de câmbio, e, principalmente, “freio de mão” é totalmente diferente. A real é que em grande parte das vezes o freio de estacionamento nem é na mão, é no pé! Entre essas e outras é que acaba sendo muito rara a possibilidade de presenciar uns malucos dando cavalo de pau com caminhonetes.

Ah, mas calma aí, tem mais um detalhe importante: quando eu falo em cavalo de pau temos que pensar na manobra completa, não adianta girar o carro e depois ficar parado lá por eternos poucos segundos para então sair andando novamente. Cavalo de pau profissa é que aquele que não tem parada, é uma manobra contínua, você estava vindo em um sentido e de repente está voltando no oposto, e não vindo – parou – voltou. Entende? É aquele em que a caranga mal completou as últimas dezenas de graus dos 180 e a tração já está comendo, o pé direito já afunda o assoalho, a fumaça dos pneus já não é mais causada pelo freio. Literalmente, não pode deixar a poeira (ou fumaça) abaixar!

Fazer isso, para quem tem mínima aptidão, não é uma tarefa tão complexa quando falamos de carro de passeio. A sequência, a alternância de ações entre embreagem e freio e mão, e eventualmente alavanca de câmbio, é algo até bem intuitivo, fluído. A primeira coisa é que o acionamento e a liberação do freio de mão estão no mesmo instrumento. Puxa a alavanca pra acionar, aperta o botão para liberar. Segundo, a alavanca fica na mão direita, deixando dessa forma a mão esquerda 100% para o volante. A pior coisa é ter que revezar a mão direita entre freio de mão e câmbio, mas ainda assim, são ações que ocorrem em momentos diferentes.

Por exemplo, você vem lá a uns 60km/h em segunda marcha, no momento desejado você dá aquela cutucadinha de leve no volante pra direita (ou esquerda, tanto faz) para logo em seguida fazer simultaneamente 4 coisas, uma com cada membro: mão esquerda chama com força o volante para a esquerda, mão direita chama com força o freio de mão pra cima, pé esquerdo aciona a embreagem e pé direito libera o acelerador. Pronto, a traseira desprega e o carro começa a rodar. Nesse meio tempo o pé direito pode parecer meio ocioso, mas está lá de prontidão para acionar o freio pra não dar de focinho no muro caso a traseira não tenha desprendido o suficiente. Até aí beleza, sem novidades, mas daí pra frente é que vem a parada da hora. Enquanto você espera aqueles longos décimos de segundos, com freio de mão travado, você aproveita a ociosidade da mão direita e manda primeira no câmbio. Aí em seguida, quando o giro está chegando próximo dos 180, você faz novamente uma sequência de movimentos quase que simultaneamente: volta a mão direita pro freio de mão e o libera, mão esquerda corrige o volante, pé direito vai no fundo, pé esquerdo solta pro lado. Pronto! O carro termina os 180 já não mais freando, mas sim tracionando – ou melhor, destracionando – enquanto imerge de ré na nuvem de fumaça branca que se inicia, pra poucos segundos depois emergir novamente já andando pra frente, rebolando e deixando marcas sinuosas no chão. Muito loco, não?, fala aí!

Vocês notaram que eu estou falando de carro de verdade, né?, com a tração nas rodas certas? Tudo bem, dá pra fazer com tração dianteira também, a diferença é que você pode chamar na chincha antes sequer de soltar o freio de mão, e deixa os eixos disputando entre eles. Dá hora também!

Sinto muito mas andei sem tempo de fazer videozinhos dessa vez, esse abaixo é antigo, do Como se Divertir com Tração Dianteira, não é exatamente a tal cena do cavalo de pau autêntico, mas mostra bem a alternância de comandos, é uma sequência maomeno assim

Agora vem a pergunta marota: como fazer a mesma cena com uma caminhonete? Manos, aqui as coisas jogam contra você. Não digo que seja impossível, mas na boa, o lance é treta. Mesmo tendo praticado muito com minha Ranger V6 americana o cavalo de pau sempre saiu amador, estacionado ao final. Na boa, o primeiro maluco que me mostrar um vídeo igual o meu acima, com a montagem sincronizada dos comandos, e conseguindo fazer o cavalo de pau non stop numa caminhonete com freio no pé eu pago uma caixa de breja!

Já começa que você vai precisar do pé esquerdo para o freio “de mão”, aquele mesmo que você precisa simultaneamente pra embreagem. OK, vamos ser espertos e improvisar, jogamos a caranga em ponto morto primeiro e desocupamos o pé da embreagem. Beleza, pé esquerdo então com força no freio “de mão” e o bicho roda. Freio travado, carro rodando, você pode voltar o pé à embreagem pra poder jogar primeira. Feito, primeira marcha na agulha, carro apontando na posição, e agora, como você solta o freio? Porra, já não bastava ter que usar o pé esquerdo para acionar, a liberação ainda é em outro lugar, com a mão esquerda. Seja numa alavanca lá em baixo, ou na porra de um botão no painel como nas D20. Você vai precisar da mão esquerda pra liberar. Bom, então troca de mão e usa a direita pra segurar o volante, certo? Pode ser, mas e aí quem vai trocar de marcha? Tá vendo a treta? E pra piorar, a porra da alavanca ou o botão ficam longe, se você estiver usando cinto de 3 pontos você não alcança nem a pau! Conclusão, possível tecnicamente é, mas é todo um malabarismo pra fazer tudo sincronizado, a chance de fail é das grandes. O maluco tem que ser piolho, muito bem treinado!

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Padrão D20 – aciona no pé e libera num botão no painel

Outra coisa “divertida” é que há uma variação de opções entre modelos de caminhonetes, pra bagunçar os neurônios do beginner e divertir o mais xarope. Não sei exatamente anos e modelos, mas algumas F-100 e C10, por exemplo, possuem o freio de mão um pouco diferente do convencional, mas ainda assim, de fato, na mão. C10 é a mais legal que ele fica na mão direita, e a liberação é só girar a alavanca. O esquisito é que ela fica no painel, e não funciona em ângulo, é axial, e típico dos comandos daquela época, o curso é gigante. Novamente um cinto de 3 pontos impediria de chegar à alavanca, mas uma vez atingida, vai lá quase meio metro de puxada pra fazer travar.

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Padrão C10 – alavanca axial no painel do lado direito. Cara, deu trabalho pra achar uma foto de C10 com esse sistema!

F-100 tem a alavanca no mesmo esquema, também embaixo do painel, mas começa a encardir por que é do lado esquerdo. Então dá aquela atrapalhada, tem que chamar no freio e emprestar a mão esquerda pro volante porque a direita foi pro câmbio, e depois da marcha engatada destrocar novamente pra poder liberar o freio. Interessante, divertido.

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Padrão F-100 – alavanca axial do lado esquerdo

Tem também umas F-1000 e D20 que têm uma desgraça dum mecanismo. É uma alavanca em baixo do painel, acionada pela mão esquerda, que fica vertical apontada pro chão e quando acionada vem na horizontal apontando pra trás. É uma desgraça total, não tem nem dosagem, é on-off, e pra pegar a alavanca tem que levar a mão quase no pedal de embreagem. Escroto.

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Padrão F-1000 – sistema escroto do tipo on / off acionado pela mão mas que fica lá no pé

Mas no final o que eu ia falar mesmo é da Veraneio. Essa tem uma configuração que eu particularmente não conheço em outro carro. A alavanca é embaixo do painel, do lado esquerdo, mas com movimento em ângulo, ela roda no plano horizontal saindo em direção o joelho direito do condutor. A liberação é um trem esquisito também, não é bem um botão, é meio uma outra alavanca embutida atrás da principal, sei lá. Cara, é estranho, quando estacionado você até consegue usar a mão esquerda pra acionar o freio, mas a pegada não fica ergonômica. Aí eu já inventei, sei lá se os outros fazem isso, mas eu passei a acionar com a mão direita. De cara já vem a treta do cinto, se for de 3 pontos você também não chega lá nem fudendo. Também, tem que atravessar o braço direito lá na extrema esquerda, por baixo do volante, quase como indo buscar o bico do pé esquerdo, pra então puxar a alavanca. Aí quando já a uns 45 graus o lance fica melhor, na medida certa pra imprimir força de direita. E te digo, vai precisar de força! Diferente das outras caminhonetes, que são caminhonetes propriamente ditas, com carroceria aberta, a Veraneio possui parte significativa das mais de 2 toneladas lá atrás, em cima do eixo traseiro. Com esse peso todo o esforço pra fazer travar tem que ser dos grandes, ainda mais com aqueles freios a lona frouxões que tinham naquela época. E na minha Veraneio em particular ainda tinha mais um agravante: a traseira era calçada com patonas largas, de 295 na tala 11. É muita borracha sentada no chão pra conseguir fazer escorregar!

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Padrão Veraneio – alavanca em baixo do painel do lado esquerdo, freio não acionado

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Padrão Veraneio – alavanca em baixo do painel do lado esquerdo, freio acionado

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Sistema maluco para destravar o freio de mão

Agora um lance engraçado, eu tenho uma cicatriz no antebraço direito, que eu ganhei num cavalo de pau desses. “Como assim, você capotou a Veraneio? Bateu?” Não. Só dei um cavalo de pau mesmo, profissa, com força. O problema é que o volante tem lá seus 40cm de diâmetro, e fica meio apertado pra fazer essa zona toda, e na hora que chamei com força o volante ele passou queimando o braço direito que estava por baixo puxando o freio de mão, deixando uma marca nervosa. Tão nervosa que hoje, 15 anos depois, eu ainda cultivo uma cicatriz, uma cicatriz decorrente de um cavalo de pau, hehehe.

Bom, vocês podem estar se perguntando, se eu tenho tanta vontade de ver uma cena de uma Veraneio dando cavalo de pau, por que é que eu não faço um com a minha e gravo pra depois assistir? É, eu poderia fazer isso, mas não hoje. Basicamente porque ela está sem freio de mão. Anos atrás eu reconstruí completamente o painel dela, mais próximo do motorista, e nisso o mecanismo original do freio de mão caiu fora. O plano era adaptar uma nova alavanca no esquema convencional, o que eu comecei a fazer, fabriquei a estrutura de fixação, montei a alavanca no lugar, adaptei o baú pra acomodar tudo, mas até hoje não liguei os cabos. Enfim, quem sabe um dia eu faço esse vídeo. Eventualmente um da hora que eu posso tentar fazer é com a outra Veraneio da família, uma 91 S4T-Plus. Só que essa é do modelo zuado que falei acima, com freio no pé e liberação no botão no painel. Vai dar um trampo pra fazer sair algo bacana, hehehe.

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Adaptação na minha Veraneio atual – alavanca do freio de mão alocada na posição convencional

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Bônus vídeo: pouco tempo depois de ter escrito o texto tive a oportunidade de dar um rolezinho no terrão com a Veraneio 91 e deu isso aí. Nem sabia que estava sendo filmado, senão tinha caprichado mais, hehehe, poota cavalo de pau migué, mó beginner!

 

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Veraneio – o início (parte 1)

29 jun

1- Os carros na infância

Mesmo que não me conhece, se já leu uns dois ou três textos desse blog consegue imaginar que sou fanático por carros desde criancinha. A família do meu pai é de cinco irmãos, e de alguma forma todos tinham alguma atração por automóveis. Meu avô era caminhoneiro e mecânico, meu tio mais velho também, teve inúmeras Scanias nas quais eu fiz várias viagens e ajudei muito a mexer. Meu pai, que é o segundo, escolheu uma carreira mais intelectual, mas nem por isso deixou de gostar do negócio, e se divertia transmitindo o conhecimento que tinha para o filho que também gostava. Os outros tios também tinham suas contribuições, um motoqueiro, outro que ganhava bem e curtia ter umas carangas mais de playboy, e por aí vai. E era assim, nas reuniões de família uma das situações mais comuns eram assuntos automotivos, as histórias do meu avô desbravando o norte do Paraná de F-600, as viagens de Scania do meu tio, as discussões Ford x Chevrolet, Honda x Yamaha, e outras coisas do tipo.

Opala Opala e Rural

Ademais, por ter sido o primeiro neto, e único por alguns anos, eu era o mimado de todo mundo, e que tipo de presente moleque gosta e costuma ganhar? Carrinhos, óbvio! No meu aniversário de um ano ganhei um presente do meu avô, um FNM que ele mesmo construiu, de madeira, carroceira de madeira estilo graneleiro, toco, na cor verde. Muito loco! E eu judiava sem dó do caminhãozinho, no quintal de casa que era descida eu montava na carroceria e descia “pilotando”, até chapar de frente no portão. Ele chegou a ser roubado, apareceu meses depois jogado num terreno baldio, meu avô o reformou e, acreditem se quiser, eu ainda o tenho até hoje, pintura meio baleada mas funcionando perfeitamente “no estado”, e quem desce o quintal na caçamba como eu fazia são minhas filhas.

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Depois disso várias outras coisas vieram, e aí eu já começava a ter a capacidade de desenvolver minhas próprias ideias. Carrinhos de rolimã eu construí vários, mesmo não tendo fácil acesso para usá-los, pois minha rua era de paralelepípedo, mas ainda assim eu tinha prazer de construí-los com boas práticas de engenharia, meus carrinhos eram sempre os mais estáveis dentre os da turma. Podem duvidar, mas eu já pensava em CG baixo, boa distribuição de peso, boa relação de bitola x entre eixos, e sempre tinha bons acessórios, como acento, freios de verdade e até mesmo iluminação. Até carrinhos com rodas de borracha eu fiz, caras, precisava ver como aquilo fazia curva, de verdade, tinha que se segurar com força, era emocionante pilotar em descidas sinuosas!

2- Os primeiros gostos

E seguindo adiante na idade, a gente começa a ter mais opinião e interesse nos carros de verdade, começa a formar os próprios gostos em vários aspectos, começa a eleger alguns modelos como preferidos. E no meu caso, pra começar, eu nunca gostei de carros de tração dianteira. Sim, vocês já viram isso aqui no meu blog, e eu chego a ser chato a respeito. E digo mais, já era chato desde criancinha, travava discussões acaloradas com os coleguinhas defendendo as qualidades técnicas dos RWD. Com isso, vocês já imaginam, daquilo que existia na época, não me atraia grande coisa Fiat 147, Belina, Gol BX. Em seguida, eu também tinha uma preferência por bichos mais ignorantes, o que deixava de fora da minha lista de admirados os Fuscas, Gordinis, Chevettes e coisas do tipo. Opa, aí a coisa começa a tomar uma figura bacana, se for ver o que sobra, tração traseira e com porte de respeito, estamos falando de Opala, Dodge, Galaxie, Maverick. Mas não só isso, eu também sempre tive uma atração por veículos com pegada mais rústica, lance meio off road, e somada com a fascinação que eu também já disse aqui sobre motores diesel, culminou numa grande paixão pelas caminhonetes! Aí vinha de tudo, incluindo desde algo mais estilo Jipe, como Bandeirantes, Rural, mas as tradicionais Ford, F-100 / F-1000 / F-2000 (sim, eu pagava um pau pras F-2000!), e as mais diversas combinações de letras e números da Chevrolet, A10, C10, D10, A20, C20, D20, C14, C15 e até mesmo a pouco conhecida, C1416.

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C1416? WTF???

3- A Veraneio

Primeiro preciso dizer, muitos vão achar estranho, mas por influência da ascendência citada acima eu era fordeiro! Sempre paguei mais pau pro V8 em relação ao L6! Sem conhecer muito, achava MWM muito mais animal que Perkins! E o twin-I-bean das Fs, ah mano, no meu conhecimento de engenharia da época aquilo era bem mais loco que as bandejas “grampeadas” das ACD1020etc., você nunca via uma F-1000 de queixo caído na rua! Mas uma coisa saía do padrão, por mais que tivesse o espírito fordeiro não tinha como não me render: o design da C1416. Ou melhor, pra quem não se tocou ainda, o design da Veraneio! Cara, como eu achava lindo aquilo, e ao mesmo tempo sóbrio, imponente, e até mesmo sinistro. Pra quem não conhece, essa carroceria, exclusiva do Brasil (não existe nos EUA), foi lançada em 1964, sob o código C14xx, sendo a tradicional, cabine simples, simplesmente C14, e a que conhecemos como Veraneio assumia como nome apenas o código da variação da carroceria, C1416. Posteriormente, em 1967 se não me engano, passou a ser chamada oficialmente Veraneio.

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Lógico que essa impressão soturna que causava a todos tinha forte contribuição da sua famosa utilização, os velhos camburões da polícia. Quem de vocês lembra com gosto das cenas de perseguição da polícia, falem aí? Eu adorava! Quando ouvia de longe a sirene combinada com o ronco esgoelado do GM261 já me preparava para ver o espetáculo da curva! Vinha chegando lá de longe a barcona, com os meganhas todos com meio corpo pra fora das suas respectivas janelas, empunhando uma calibre 12, enquanto o piloto, após uma briga com os freios a lona nas 4 sem assistência, com uns brações de estivador começava uma batalha com o volante, metros antes da curva dobrando e dobrando as inúmeras voltas da direção mecânica, até que no ponto certo fazia a banheira guinar, e tombar, tombar muuuuito no meio da curva! Você via aqueles pneus fininhos diagonais só com um fiozinho tocando o chão do lado de dentro da curva, enquanto do lado de fora dobrava tanto que parecia que ia descolar do aro! As rodas se escondendo totalmente dentro dos para-lamas, o assoalho quase raspando no chão!, os cotovelos dos manos empunhando a 12 quase raspando no chão!!!  O cantar dos pneus era aquele canto grave, grosso, de coisa bruta escorregando, e de fato era, aquela traseira de paquiderme desgarrando como quem quer ultrapassar a dianteira, e todos os espectadores do lado de fora aguardando na certeza de um capotamento. Mas não, no final a barca cumpria a missão impossível de fazer aquela curva e saía enchendo lentamente os pulmões do 261 novamente! Lindo!!!

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Mas mesmo para quem não se lembre disso com o mesmo entusiasmo que eu, tenho certeza de que a visão hoje de uma Veraneio da rua remete a alguma cena, alguma lembrança daquela época. A Veraneio realmente marcou fortemente a vida de todos nesse país, nas décadas de 70, 80, e até mesmo as remanescentes na década de 90! Não tem como remontar cenas cotidianas das ruas dessa época sem colocar uma Veraneio como figurante.

E saindo um pouco do aspecto sombrio, pensando nela do lado do bem da força, a Veraneio também era símbolo de status, requinte, luxo. Era coisa de bacana! Imagina você na estrada, com a família toda enfiada dentro de um Fusca 1300 verde abacate a álcool, na faixa da direita da Anchieta descendo pra Praia Grande, aí você via passando à esquerda, empurrando a fila, uma Veraneio Deluxo, pintura metálica, para-choques cromados com puleiros, faróis de milha, suspensão traseira calçada, rodões envoltos por Scorpions, e dentro uma família numerosa, todos muito a vontade, e no final aquele gordinho mais fdp viajando no porta malas, olhando pra você pelo vidro traseiro, e mostrando a língua e tirando um barato da cara do pobres enlatados no Fusquinha. Óbvio que chegava lá em baixo eles viravam a esquerda, pois estavam indo pro Guarujá, enquanto a massa ia à direita, seguindo as placas da Caiçara, Peruíbe. Cara, era foda… que inveja, que cobiça…

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4- A Veraneio na nossa vida

E de fato, essa era a cobiça, o sonho de consumo de muitos brasileiros. Quem era rico naquela época ou tinha uma Veraneio ou uma cabine dupla. E pro meu pai não era diferente, mas vou te falar que de fato, ele citava sim Veraneio, mas pendia mais pro outro lado. Como fordeiro, MWMeiro, e pescador, tinha como combinação perfeita uma F-1000 cabine dupla. Por anos o ouvi falando e sonhando com uma dessas. Um dos amigos pescadores dele tinha uma, como todas as F-1000 duplas eram “mandada fazer”, as modificações em geral eram extremamente luxuosas, e das algumas vezes que “peguei carona” com eles até o MS, quando estavam indo para as pescarias, eu achava o máximo viajar naquele carro. Puta espaço, acabamento todo chique, uma tapeçaria toda luxuosa com uns bancões que eram mó sofá, painel cheio dos reloginhos que parecia um caça, enfim, era o que eu precisava pra eleger na época a F-1000 cabine dupla como meu carro preferido. E tinha que ser MWM turbinado!

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E quando surgiu a Veraneio na nossa vida então? O quando eu posso dizer, o como e o porquê, não sei muito bem. Só sei que era um final de semana no final da década de 80, eu lá com meus 13 anos mais ou menos, brincando em frente de casa, de repente vejo chegando, subindo a rua com roncão de diesel turbo, uma Veraneio daquelas que eu pagava pau como a da descrição acima: modelo Deluxo, cor marrom metálica, rodões Mangels cromados com uns pneus biscoitão, para-choques cromados com puleiros, enfim, estilosona demais! E o mais legal, parou em frente de casa, do outro lado da rua! E o mais legal ainda, abre a porta e desce meu pai do lugar do motorista! Mano, fala sério, será??? A cena eu lembro bem mas o desenrolar não tão bem, se não me engano o então dono estava junto e meu pai fazendo um teste considerando comprar. Fiquei feliz por um tempo mas meio desanimado em seguida, com aquela sensação de que era muita bala pro nosso bolso aguentar. Mas não! Pouco tempo depois vem meu pai dizendo que deu certo a negociação, o velho Fusquinha verde abacate iria embora como parte de pagamento e a Veraneio era nossa! Yeah!!! Aí sim! Como diria Marcelo Nova (mas com outro personagem) “Agora chegou a nossa vez… Eu vou ser o maior…”. Cara, como eu fiquei feliz! Meu pai tinha uma Veraneio! E ainda por cima com tudo que tinha direito dos apetrechos bacanas, rodões, cromados, e um motorzão diesel turbo!

Tratava-se de uma Veraneio Deluxo 1980, com motor diesel adaptado mas perfeitamente regularizado no documento. Mas o motor ainda vinha com uma surpresa bastante interessante: era um Perkins, o velho Perkinho, mas um 4-236, nem Q20-B era ainda, pois era da fase D10, só que turbinado de fábrica! Ãããã??? Perkinho turbinado de fábrica? E da fase pré-Q20-B ainda? Tá loco? Não tô loco não! E digo a vocês que era essa a resposta que passamos por anos dando. Pelo vendedor nos foi contada uma história pouco crível, mas que eu pessoalmente tive a oportunidade de comprovar de diferentes fontes oficiais anos depois. De fato a Perkins nunca comercializou oficialmente um modelo turbo no Brasil, mas eles chegaram a fabricar, em pequena escala, um modelo turbo que ia de exportação para o Peru, e justamente turbo por causa dos problemas de pressão com as altitudes de lá. E sei lá como foi parar um Perkinho desses na nossa Veraneio. Ele era bem diferente, uma turbina Garret pequenininha, muito menor que as que a Bodipasa adaptava nos Q20-B. A bomba injetora também, ao invés de Bosch era CAV Lucas. E toda a posição dos elementos era muito diferente, não tinha aqueles copos logo no alto, eram pra baixo, escondidos, um visual bem mais legal! E o desempenho, era de motor que saiu de fábrica turbinado! Muuuuito melhor que a grande maioria dos adaptados que tinham na época. Somado ao bom motor vinha uma caixa Clark 260F de 4 marchas, a tradicional da linha GM, e um diferencial Braseixos com relação longa, o 13×41, 3.15:1. Isso deixava o desempenho na estrada excelente pros padrões da época, passando de 130 de final. OK, 130 não é muito, as a gasolina andavam muito mais de final, mas saibam que diesel chega à final muito rápido, e pelo torque muito maior que das gasolinas ele sustenta absurdamente bem as adversidades de relevo mesmo quando muito próximo da velocidade final. Ou seja, pegava uma estrada tipo Raposo Tavares no oeste paulista, na época da pista simples e mão dupla, dava pra descer a 110 ~ 120 na bangela e emendar uma ultrapassagem beirando 130 na subida do outro lado! Gasolina e carros de passeio subiam a 130?, sim, subiam, mas não depois de descer a 110! OK, não vamos considerar aqui os bacanões como Opala, Maverick, Dodge, mas considerando a grande maioria de meros mortais a bichinha conseguia empurrar muita gente!

Camburão 1

As rodas eu achava outro show, eram da Mangels, cromadas, mas não são essas 16” da foto acima (depois eu conto sobre essas da foto). Eram umas aro 15, e calçadas com radiais 255/75-R15, que em geral meu pai usava Maggion, por serem um pouco mais baratos que os Scorpions. Eram bacanas, seguravam legal, mas o defeito terrível deles era o barulho, como eles assobiavam acima de 100 na estrada. Aliás, assobio não, era um soprão forte que lembrava barulho de avião, e como não tinha ar condicionado, e muitas vezes andávamos de janela aberta, chegava a ser bem cansativo as viagens de 8, 10, 12 horas que fazíamos nela. Mas na boa, cansativo se for comparar com o que temos hoje, se for ver em relação a Fusca, Brasília, TL e outras tranqueiras que usamos muito pra ir pro MS, a Veraneio era primeira classe!

E de verdade, era assim que nós nos sentíamos! Na frente era um jogo de 3 bancos individuais sem cabeceira, de encosto alto, todos reclináveis. Minha mãe ocupava o mais a direita e reclinava no último, ficava praticamente horizontal, dava pra puxar mó ronco! Eu ia no traseiro, inteiriço, e mesmo com o canto ocupado com o da minha mãe reclinado, dava pra eu deitar e me esparramar muito bem pelo que sobrava. E meu irmão? Na época bem pirralho, pequeno, jogávamos um colchão de berço no porta malas que pegava o comprimento exato e metade da largura, e ele ia lá no chiqueirão, dormindo ou não, mas tirando mó onda. E a bagagem ia na metade que sobrou do porta-malas, com folga! Ah, fala aí, quem é que vai agora empurrando todo mundo com o moleque tirando onda no porta malas??? Não falei?, “Agora chegou a nossa vez!”, hahahaha. De verdade, como eu adorava viajar naquele carro!

Continua no próximo post! (clique aí para a parte 2)

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