Moendo uma blindada

11 nov

BMW DT 1

Nada melhor para iniciar o blog do que uma história escrita há muito tempo, talvez a primeira que eu tenha escrito nesse formato. O fato ocorreu em 2002, na época eu já “frequentava” um grupo do Yahoo sobre carros e fiz essa narrativa para dividir com os colegas também entusiastas. Procurei agora mantê-la mais íntegra possível em relação à original da época, fiz apenas algumas pequenas alterações omitindo informações pessoais e adaptando às novas regras gramaticais.

Se eu conseguir transmitir a vocês ao menos uma pequena porção da emoção que eu senti ao pilotar, já me sentirei feliz, o objetivo é esse. Espero que curtam, depois dessa virão outras mais.

Início do texto original:

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Antes de começar, pra que ninguém pense que sou um playba
endinheirado, deixe-me contar como consegui o esquema: Atualmente
faço estágio em uma multinacional do segmento de eletrônica e telecomunicações, especificamente no setor de componentes automotivos. Lidamos com comunicação integrada (telefone automotivo, telemática, etc.) e eletrônica embarcada (desde um simples sensor até injeção eletrônica completa). Um de nossos clientes no Brasil é a BMW, para a qual fornecemos o sistema de telefonia integrado ao veículo, que é muito louco por sinal. Quem foi ao salão e teve a oportunidade de entrar na nova 745 vei entender o que estou falando. Principalmente no Brasil, como tenho contato direto com praticamente todas as montadoras de automóveis, acabo conseguindo alguns privilégios, do tipo um mês antes da nova série 7 ter aparecido nas revistas no Brasil, no ano passado, eu já ter tido a oportunidade de dar umas voltinhas na criança! (no  passageiro, infelizmente)

Mas vamos aos fatos: Alguém já ouviu falar do BMW Driver Training? É um treinamento de direção defensiva (não de pilotagem) simulando situações de emergência, sendo que em uma derivação mais legal (Protection) ainda agrega um treinamento anti sequestro, com simulações de ataque e perseguições. O evento ocorre no campo de provas da Pirelli, em Sumaré, SP. Como meu setor patrocina o evento, consegui umas cortesias de participar na faixa dos dois módulos, Básico e Protection. Vou contar apenas do segundo, que tinha praticamente tudo do primeiro, mas só pra vocês terem idéia, quem ministrou o módulo básico quando o fiz, foi um tal que vocês devem conhecer, chamado Ingo Hofman… No Protection, o instrutor de direção era o César Urnhani, que já foi campeão de rali de velocidade, campeão das 1000 milhas (não sei se em 2000 ou 2001…), o cara é fudido! Na parte de segurança os instrutores eram o Diógenes Lucca, capitão do Gate especialista em armas e explosivos, e o Roberto Costa, ex PM especialista em segurança pessoal.

O dia começou com um treinamento teórico, com técnicas básicas de direção (postura, movimentos de volante e pedais, etc.) e depois uma puta palestra sobre segurança pessoal. Em seguida, lá pras 11 da manhã, a parte legal: todos pra pista!!! Na mão dos 5 participantes, uma BMW 325 2002 pra cada um, além de uma 540 2002 Protection (blindada de fábrica) para revezar entre os participantes. Os primeiros exercícios, de frenagem, não eram nada de super excitante, mas eram muito interessantes pelo fato de que na rua você usualmente não fica brincando desse jeito. Eram exercícios do tipo frenagem no seco, no molhado, com e sem ABS, desviando de obstáculos durante a frenagem, etc. Depois, um mais legal um pouco: controle de derrapagem, saída de dianteira e de traseira. Em um espaço grande de asfalto molhado, eram posicionados cones formando um círculo. Pra poder controlar uma derrapagem, primeiro é necessário que essa ocorra. Iniciávamos acelerando até o momento onde o carro começava a derrapar e, com uma acelerada brusca, com o controle de tração ligado, o carro escapava a frente que saia trepidando. Tirando o pé do acelerador, e com um sutil comando no volante, o carro voltava à trajetória, nada de especial. O tesão realmente era no controle de saída de traseira! Como já havia feito o básico, e sabia como funcionava a brincadeira, propus ao César uma caixa de cerveja se eu desse uma volta inteira com o carro de lado. O cara não botou muita fé, mas não entrou no jogo. Em compensação, ele me disse “já que você já manja, fica brincando um pouco aí que enquanto isso eu vou passando umas instruções pro pessoal”. Imaginem eu: a vontade com a criança!!! Com carro em primeira marcha, com o controle de tração desligado, era só cutucar o acelerador que a BM jogava a bunda. Como já tinha noção de como funcionava, dei uma de Migué, e soquei o pé! O carro não fez um zero, fez um “e de mão minúsculo”! Muito louco, primeiro uma apertadinha mais forte e depois só mantinha a ponta do pé no acelerador, o suficiente para manter a traseira destracionada! E aí depois a disputa com o volante, para manter o carro no círculo com a bunda querendo ultrapassar a dianteira! Bom… não seria dessa vez que eu iria levar uma caixa pra casa… ainda bem que o cara arregou!

Com essa atividade encerrou a parte da manhã. Almoçamos e fomos para a parte de segurança. Começamos à tarde com um exercício ótimo para fazer digestão: cavalo de pau, de frente e de ré! Todos faziam passagens tanto com a 325 quanto com a 540! A 540, por ser blindada, era animal de virar! Vinha a uns 60, passava pro neutro e chamava no freio de mão! Ela jogava a traseira, que é pesadona pacas, e antes do carro alinhar já dava um tapa na alavanca pro drive de volta e afundava o pé! Porra!!! Imaginem vocês, a bordo de uma 540 zerada! O V-oitão automático urrava a 6000, e os 300 e poucos cavalos faziam o barato começar a fritar descontroladamente, a fumaceira começava a cobrir com o carro ainda de ré, e se não aliviasse um pouco o pé ele não começava a andar pra frente!!! O mais legal era que eu era o único moleque no meio de um monte de tiozões e eu ainda ouvia pelo rádio os instrutores, que achavam aquilo o maior barato, dizendo à veiarada que era assim que eles deveriam fazer!!! Não vou dizer que simplesmente aquilo destrói um carro, mas me dava uma dó de ver o jeito que o César esmerilhava a caranga! Mas enquanto estava na minha mão… f&#$-se!!! Os caras achavam legal… Depois do de frente, o de ré. O impressionante é que o mais difícil não é virar o carro, mas sim mantê-lo em linha reta de ré no cacete. Era a coisa mais engaçada ver os tiozões!!! Pareciam estar fazendo slalon de ré!

Bom, a essa hora, todos supostamente já sabiam como se portar dentro de um carro, já sabiam frear, acelerar, controlar as derrapagens e dar cavalos de pau. Os instrutores nos mandaram então pra dentro do pátio da oficina e disseram que iriam chamar um por um pelo rádio. Começou uma série de exercícios simulando ataques de trânsito, assaltos, abordagens, etc. Vou narrar apenas o mais interessante: Fui o terceiro a ser chamado. Cheguei à pista – que de maneira geral, naquela parte, consistia em algumas retas paralelas, com algumas áreas mais largas em algumas partes, um morro no final e algumas interligações entre elas – e o Roberto me disse: “você vai até o final da pista, contorna aqueles cones e volta a uns 40 por hora. Você vai ser abordado em movimento, o que você faz?” Respondi: “sei lá, breco e saio de ré…??” “Tente lá então…” Quando ia saindo ele ainda me disse com um tom sarcástico: “você vai gostar desse aqui…” Fiz o que ele mandou, fui até o final, contornei os cones e voltei pela área indicada. De repente vejo um vulto preto passar no retrovisor. Quando olho pro lado, estava o César que havia saído a milhão com a 540 detrás do morro e o Capitão Lucca, com umas daquelas toquinhas típicas do Gate, que deixa só os olhos aparecendo, com meio corpo pra fora do vidro, portando uma espingarda de paint ball e disparando contra meu vidro lateral!!! Na hora soquei o pé no freio e senti o ABS pulsando. Com um tapa adrenado mandei ré e saí, usando a expressão dum camarada das arrancadas, “tirando o pé da embreagem para o lado”!!! Pus o que deu naquele pequeno espaço e, na hora que os cones acabaram e a pista alargou, só instiguei o volante pra um lado e joguei tudo pro outro!!! O carro virou numa velocidade incrível, se posicionou de frente a uns 40 por hora, dei mais um tapão mandando pra segunda e pé no fundo!!! Não pude ver na minha vez o que o César fez, só sei que terminada minha manobra olhei o retrovisor e já vi o vulto preto crescendo!!! “Ca#$%ho!!! Como é que esse cara já está aqui???? O cara me passou voado ali atrás!!!” Depois pude ver do lado de fora: o cara não tinha dó!!! (Além de tudo ainda queria dar um show pro casal que apareceu no meio da tarde pra ver e foi convidado a ir na 540 com os instrutores). Do jeito que ele vinha com a 540 ele nem segurava no pé. Era direto freio de mão, o carro nem virava os 180 e já estava sumindo na fumaça! E o pior: a 325, com uns 200 e poucos cv já anda pra ca#$%ho! Mas o que a 540 puxa é impressionante!

Voltando a narração pra dentro do carro, era f#$@!!! Como falei, mandei segunda, afundei o pé, cheguei a uma chicane de cones, a fiz praticamente sentindo o ABS, estiquei de novo e… terminou a pista! Não havia andado nessa parte ainda, não sabia o que tinha no final! Mas a brincadeira subiu pra cabeça, não dava tempo de pensar demais! Vi uma pequena passagem que interligava uma reta a outra, soquei o pé no freio, novamente senti o ABS, joguei com tudo o volante e o carro ameaçou sair de dianteira! Pra não perder o ângulo em que entrava, pé na embreagem e chamei no freio de mão, mandei a bunda lá em baixo e foi apenas um ínfimo para jogar de segunda pra primeira que já liberava o freio de mão! Antes que o carro ameaçasse a pregar a traseira no chão de novo já soltava violentamente a embreagem com o pé no fundo do acelerador, como o carro estava com o controle de tração ligado ele não continuou o giro, apenas suavemente estabilizou a traseira e posicionou o carro de volta a 180 graus do que eu vinha! Enxerguei 6500 rapidinho e tapão pra segunda! Não sei em detalhes o que o César fez, mas sei que ele fez muito mais rápido do que eu!!! A 540 saiu do 180 preenchendo todo o meu retrovisor! De repente o cara afrouxou o pé e ficou pra trás ainda por cima piscando o farol. Tirei o pé também e pensei: “acabou a brincadeira”. Não tive tempo de olhar pros que me assistiam quando ouvi o Roberto no rádio: “vai cara, vai!!!” A 540 acelerava de novo, agora muito mais rápido do que eu e com o Lucca de novo com meio corpo pra fora do carro atirando no meu vidro traseiro!!! Pau na máquina! Fechei o cara e não deixei ele me passar, acelerei fundo e parti rumo ao final da reta! Chegando no final, mais uma surpresa: A reta se dividia em duas, contornava um gramado e se juntava no final! Entrei pelo lado direito e… ele entrou pelo esquerdo! Não tinha pra onde ir, ameacei dar ré, mas o cara era muito mais rápido. Manobrar não dava pelo espaço e, enquanto isso eu tomava tiros no meu vidro lateral!!! Porra, é foda raciocinar com uma pelotas explodindo do lado da minha orelha!!! Pelo menos eram de tinta, imaginem se fossem de chumbo!!! Bom, foda-se!!! A grama é macia e não vai zuar o carro! Mandei ré e entrei na grama que dividia essa pista lateral da principal onde havia começado o rolê. Entrei no asfalto e de novo, mandei a frente pra onde ela devia estar. Não saiu tão perfeito quanto o primeiro, mas pelo menos eu estava de cara com um puta retão! Pé no fundo, enquanto trocava as manchas, procurei pela 540 e, pasmem, lá vinha o cara atravessando o gramadão a milhão sem dó e subindo na pista atrás de mim!!! Dessa vez pensei “pode piscar farol, buzinar, chamar o capeta mas eu não paro”!!! Passei a uns 170 na frente da galera que assistia, só não pude dar mais porque comecei a ter trabalho tentando fechar a 540 que já estava colada na minha traseira! Agora já conhecia a pista, não deu outra, fiz a chicane no cacete, abri tudo na esquerda e chamei o freio de mão jogando pra direita! A caranga entrou na interligação meio quicando por causa do desnível entre pistas e a 540 veio atrás. Daí sim, o cara desistiu de verdade de me pegar e o Roberto anunciou no rádio pra eu parar. Parei o carro contente, pelo menos havia dado trabalho pro cara!!!

Depois fiquei só assistindo as outras perseguições de fora, e curtindo os tiozões tomarem tiros!!! Fizemos alguns exercícios desse tipo e, no final do dia, quase escurecendo fizemos o exercício final. Não vou entrar em detalhes pra não estender mais ainda a história, mas consistia em um circuito cronometrado com diversos obstáculos, do tipo cones formando slalons e chicanes, rotatórias de pequeno raio, cotovelos e outras coisas mais escabrosas do tipo um cara caído no meio da pista (um boneco, é lógico), rojões explodindo no para brisas, mangueiras do tipo de irrigação, que além de deixar a pista encharcada esguichavam direto no vidros atrapalhando a visão e no meio de tudo isso ainda saía a dupla dinâmica da 540 dando alguns disparos no meu vidro! Fora que se começava o circuito de ré e, em alguns pontos era necessário dar uns cavalos de pau e voltar pelo mesmo lugar de onde se veio!!! Pra minha satisfação fui o mais rápido do dia, com quase 20 segundos sobre o segundo!!! Na verdade não foi nenhum mérito, já que os tiozões que disputavam comigo eram do tipo “leva a mulher na feira”! Enfim, acabou o treinamento e eu tinha passado por um tesão de dia!!! Mas havia acabado e era hora de voltar a realidade! Perder uns 5 minutos pra dar partida e esquentar o motorzão veio a álcool do Camburão, pra depois pegar a Bandeirantes de volta a São Paulo! Pra minha angústia, o Camburão ainda voltou meio falhando na estrada… Pra quem quiser saber mais sobre o evento, entre na página www.bmwdrivertraining.com.br(*), lá tem todas as informações, fotos e um vídeo de 8 minutos mostrando algumas etapas do treinamento. Agora, pra quem ficou com muita água na boca, pode simplesmente ligar na BMW e marcar um dia pra fazer o treinamento. Basta apenas desembolsar mais ou menos umas 400, 450 latinhas pra fazer o básico ou umas 800 pro protection… Coisa que eu nunca iria fazer com minha “bolsa auxilio” de estagiário, he he he!!!

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*Comentário de 2013: o treinamento não existe mais, foi extinto justamente esse ano. Curiosamente fiquei sabendo isso pela boca do próprio César, que encontrei dias atrás em um evento aqui em São Paulo, quase 12 anos depois.

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  1. Minha verdade sobre pneus | Contos Automotivos - 23 de agosto de 2014

    […] pacas. Fiquei fã do cara. Curiosamente esse treinamento, promovido pela BMW, é o tema do meu primeiro post aqui no blog. Também curiosamente ele era realizado no campo de provas da Pirelli, exatamente o mesmo lugar […]

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