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Dominando a inércia 3 – atemorizando quem está dentro e quem está fora

24 mar

Sempre adorei dar rolê com a Veraneio do meu pai. Por uma longa época era o carro de uso do dia a dia dele aqui em São Paulo, consequentemente era o carro disponível quando eu estava rideless. Foi uma época que eu dei vários rolês, fiz várias viagens, ou seja, curti bastante o carro. Mas uns tempos depois meu pai desencanou de São Paulo e passou a ficar mais no sítio, no MS, e junto foi a Veraneio, que eu deixei de usar com frequência. Mas lógico, quando eu ia (e ainda vou) pra lá, não importa o quão bacana seja a caranga que eu estou, sempre utilizo a Veraneio para alguns dos rolês. E dessa vez não foi diferente, estava lá com os brothers e resolvemos ir para o balneário municipal, à margem do Rio Paraná, onde tem uma área de lazer que a galera da cidade vai curtir. E também, é lógico, um butecão pra gente tomar umas.

Fomos lá em uma pequena turma, não me lembro exatamente de todos, mas comigo na Veraneio estava o Hairy Bee, Brandon com mais alguém na sua Saveiro tuningada e Big T na sua Silverado 6.07 fuçada. Ficamos lá vendo o movimento, falando de carro, comendo umas porções e tomando umas geladas. Nada de exagero no álcool, afinal lá era só um happy hour, a pegada mesmo era de noite na rua, mas era o suficiente já pra dar uma lubrificada. Eu obviamente só tomei tubaína. Mas aí foi caindo o sol, o povo indo embora, resolvemos que era hora de ir também.

Aí calcula, um bando de xarope, todo mundo lubrificado, cada um com sua caranga da hora (pelo menos os seus respectivos donos achavam), sai todo mundo fazendo movimento, causando. Big T saiu na frente, moendo a Silverado, escape direto saindo na lateral, pente na turbina, bomba aberta, ou seja, dá uma canseira em carrinhos bundões. Logo na bota fui eu, mas apesar dos 46.5Kgfm do S4T-Plus da Veraneio não dava pra acompanhar a Silverado, que foi distanciando. Logo atrás veio o Brandon, com a Saveiro, que aliás também andava mais que a Veraneio, pelo menos em circunstâncias normais. Vocês vão entender o que eu considero circunstâncias normais, aguardem.

A saída do balneário era um estradão de cascalho muito bem assentado. Bem largo, bem terraplanado, e como não passava muito caminhão, era também muito liso. Isso seguia por algumas centenas de metros, não creio que chegue a 1Km, que aí desembocava em T na estradinha que leva até a cidade. Já essa era bem coxinha, daquelas que em teoria passa dois carros, mas na maior parte do trecho o trilheiro formado é de um carro só, pelo centro. Ou seja, a alegria do estradão da hora dura pouco, e de boa, melhor não se empolgar. Bom, eu pelo menos estava ciente disso, mas já outro alguém… eu fui no cascalhão de pé no fundo, primeira, segunda, terceira, quarta – diesel engole rápido as marchas – e acho que consegui atingir algo ali perto duns 100 por hora. Brandon vinha na bota, me alcançando, só que já à nossa vista estava o T com a estradinha e o barranco. Hairy Bee começou a falar do meu lado “cara, alivia, o Brandon não vai tirar o pé e vai acertar o barranco”. Problema meu? Pé no fundo, e de olho no barranco com a mente maquinando os cálculos mais minuciosos para determinar a última fração de segundo possível para trocar o pé direito de pedal e afundar cuidadosamente no freio pra ancorar sem travar. Mas Hairy Bee continuava dizendo “o Brandon não vai parar, alivia”. Eu? Pé direito entortando o pedal. “Cara, o Brandon não tem noção, ele não vai conseguir parar!!!”. Até que enquanto eu calculava o ponto de frenagem, eu vejo de rabo de olho a Saveiro botando o nariz na altura do meu eixo traseiro, e o Brandon lá com cara de sucesso, como quem estava conquistando uma vitória sobre mim. Pronto, aí foi o ponto! Milésimo de segundo para o pé direito passar pro freio e o trambolho começa a entornar suas reações como um animal indócil reage a um comando impróprio do seu condutor. O narizão já afunda, a bunda levanta, as rodas traseiras ficam na iminência do desgarre. Assim como na subida as machas são engolidas rapidamente na descida também, e a cada pancada da embreagem na marcha de baixo a trajetória, que há instante era linear, sobreamortecida, se transforma em algo volátil, instável. Tanto frente quanto traseira ameaçam a divergir, mas sem acordo entre elas, enquanto uma pequena disputa com volante garante que elas não vão trocar de posição. E foi perfeito, hora que o nariz apontou no T a velocidade era a exata para guinar o carro, sem estresse a 90 graus na pequena estrada. Foi o que eu fiz? Não, parei completamente para terminar de observar a façanha do Brandon. No momento que eu meti o pé no freio o movimento relativo da Saveiro em relação à Veraneio foi como um estilingue, parece que foi arremessada à frente. Nesse mesmo instante acho que ele se tocou que seria necessário frear também, mas aí já era tarde. Até digo a vocês que na minha visão o Brandon demonstrou habilidade com a situação, conseguiu também frear de maneira eficiente, sem arrastar, só uma pena que ele fez isso um pentelhonésimo após o limite. Impressionante como centésimos de segundos fazem a diferença. Já com os beiços praticamente beijando o barranco ele ainda me arrancou um esterço e aceleração, manobra atípica para condutores normais, mas eficiente em veículos de tração dianteira. A frente até tentou tomar rumo aos 90 graus da estradinha, mas a inércia não permitiu se adequar à trajetória desejada, e o tão aguardado beijo aconteceu. Beijinho delicado, tipo selinho, daqueles de canto, que bate na trave, mas foi um beijo. Sorte dele que tinha aquela carreira de areião empurrada pro barranco pela patrola, afofou a chegada do carro antes da carroceria atingir o barranco. Aliás não sei como não destalonou o pneu, pois pegou de atravessado.

Enfim, eu lá parado, Brandon enfiado no areião do barranco, e o Hairy Bee do meu lado falando “eu te disse, eu te disse, eu te disse”. Brandon pouco se fudendo pra cacada mandou ré, arrancou a Saveiro do barranco, jogou primeira e ainda foi tirar onda fritando, de freio de mão puxado, e cavucando o chão. Bom, pra mim já deu, deixa ele brincando em segurança que vou sair na frente. Já tenho poeira do Big T pra comer, não vou deixar mais um. Peguei a estradinha e meti o pé na bota. Já estava começando a escurecer, mas ainda dava pra ver adiante, não tão longe, e nuvem de poeira que a Silverado deixava, e eu sabia que ela andava forte, seria um desafio arriscado tentar alcançar. E assim segui por alguns quilômetros, ultrapassando o povo todo que também voltava do rio para a cidade, balançando com vontade a traseira da Veraneio, escapando nas curvas, varando a buraqueira no limiar entre uso e abuso do carro, e quase descolando do chão nos esfria saco. De repente percebo que a nuvem de poeira adiante começa a ficar próxima e menos intensa, o que significada que Big T havia diminuído o ritmo. E foi, chego próximo dele, num trecho em que a estrada tinha apenas um trilheiro pelo centro, sem possibilidade de ultrapassagem, vejo adiante uma Palio Weekend arrancando esforços de suas entranhas para se manter à frente da Silverado, que parecia querer passar por cima da Palio. Mano, na boa, larga de ser ignorante! Mesmo que o cara da Palio não saiba que quem está atrás é o insano do Big T, não saiba que a Silverado tem pimenta, não tem como querer disputar na andada com uma tranqueira dessas de tração dianteira sem a menor aptidão para tráfego em chão irregular. É aí onde volta a colocação que citei anteriormente, “em circunstâncias normais” um carro de passeio pode levar uma caminhonete bruta, mas na buraqueira, não tem como, se quiser acompanhar vai largar as rodas com um pedaço do monobloco junto. E era quase isso que o cara estava fazendo, arrebentando com a Palio a uns 100 por hora na estradinha zuada, quase todo o tempo raspando assoalho no chão, e atrás dele, não mais uma, mas duas caminhonetes over two tons quase engolindo.

Aí meu instinto insano, porém frio e calculista, aflorou. Big T era insano, mas sem as outras duas qualidades, e não teve a manha de arriscar o que eu fiz. Chegamos a um trecho da estrada que era uma grande planície, uma retona de mais de quilômetro. E pela característica plana havia a típica dificuldade de escoamento de águas pluviais, o que deu àquele pedaço uma característica bem peculiar. O lado direito da estrada, por toda a extensão do trecho, formou uma longa poça de água, que depois de seca deu aquela forma típica de assoreamento, aquela areia desenhada pela água, totalmente plano, e quase liso, porém também muito fofo e instável. Mas por causa disso o trilheiro se formou à esquerda, e era por ali que Palio e Silverado seguiram, deixando um espaço suficiente para ultrapassagem pela direita. Ah mano, é agora. Joguei a jabiraca à direita e soquei o pé no fundo. Hairy Bee se agarrou no banco e engoliu a voz, enquanto a Veraneio começava a rebolar a bundinha em velocidade 5 no areião. A tração era limitada, estava muito difícil fazer o carro ganhar velocidade, mas ainda assim tinha uma merreca a mais de pique que os outros dois, que estavam limitados pela capacidade da Palio. Aos poucos fui avançando dos 100Km/h, e já tinha a Silverado ao meu lado esquerdo. Poucos segundo após, ainda com a Veraneio dançando no areião, tinha a Palio ao meu lado, quando então vejo uma imagem que ninguém ali gostou de ver. Poucas centenas de metros adiante tinha um entroncamento, e um outro carro apontava o nariz na nossa estrada, anunciando uma entrada em nossa direção. Cara, eu nem olhei a que velocidade estava naquela hora, mas arrisco a dizer que eram uns 130. Em condições normais, de pé no fundo por tanto tempo, o carro tinha fôlego pra passar de 150, mas com o fofão do chão amarrando estimo que empaquei nos 130. E ciente de tudo isso, tudo que eu menos queria era ver aquele cara de frente comigo na mesma pista. Decidi não tirar o pé, o algoritmo poderoso em minha mente não havia dado status vermelho ainda, se precisasse ainda tinha uma pequena margem pra começar a frear, mas enquanto isso eu simplesmente mentalizava “não entra, não entra, não entra”. Aliás, tenho uma crença de que essa mentalização soava em coro, Hairy Bee ao meu lado, me vendo amaçando o assoalho, certamente também rezava por isso, bem como o mano da Palio e o Big T. E o maninho da caranga lá também parece que captou nossa irradiação, vi que ele demorou demais para tomar alguma ação e tive a (quase) certeza de que eu podia manter, ele não ia entrar. Mas também, de boa, imagina se é você, aponta o nariz pra entrar numa estrada e vê uma nuvem de poeira acompanhada por um comboio, com uma titica de plástico à frente se esguelando e autodestruindo, e dois paquidermes descontrolados empurrando atrás, de faróis altos e todos os milhas presentes acesos. Não interessa se o cara está no direito dele, ninguém em sã consciência ia se meter no meio dessa treta. E foi isso, o cara ficou lá apenas de espectador, quando eu vinha já à frente do grupo, ainda pelo lado direito e fofo, prestes a concluir minha manobra. Muito próximo do maninho no entroncamento eu pronunciei ao trambolho meu desejo de mudar de trajetória, ele como animal xucro não concordou, mas de domínio das rédeas eu exigi, mandei a frente para a esquerda, que lentamente me obedeceu, mas como numa inércia dessas eu não tenho domínio completo do “animal”, a traseira discordou da minha decisão e resolveu se manter onde estava. Passei de frente com o maninho deixando 4 rastros de pneu no chão, frente de um lado da estrada e traseira do outro, ainda procurando formas de contato com o areião para ver se acatava com a nova trajetória. E após longas frações de segundo, a primeira roda traseira atingiu o chão firme, e foi o suficiente pra traseira se convencer que deveria obedecer. E xucrisse no último, quando obedece obedece com força, foi o segundo pneu atingir o chão firme que a traseira se arremessou no sentido contrário. Aí o típico comportamento do sistema sub amortecido, no limiar para colapsar. Mandei uma reação sobrenatural no volante – que leva eras para levar o comando às rodas – que jogou a frente no contraesterço, a banheira toda começou a deslizar para a esquerda da pista, se aproximando do barranco. Mas em seguida consegui trazer o sistema de volta à convergência, a traseira começou a esboçar que desistiria de desgarrar, e eu pude tomar as rédeas ordenando a massa de volta à direita, evitando o barranco. E impressionantemente foi no momento exato, calculado, mediúnico, bem naquele trechinho de metros em que a geringonça escorregava à esquerda havia um mourão de cerca desgarrado, desalinhado com o retão, avançando pra dentro da pista. Eu como condutor tinha meus olhos fixos no meu objetivo, onde EU queria que o carro fosse, e não onde eu tinha medo que ele pudesse ir, mas Hairy Bee ao meu lado não, mirava o mourão querendo se meter no meio do nosso caminho. Aliás, no meio não, no lado, quem veio atrás disse que viu a lateral da veraneio passar lambendo o mourão, que no meio do poeirão mal deu pra saber se passou ileso ou se a quina do para-choques traseiro tinha trocado matéria com o mourão. Mas sim, passou ileso, poucos metros à frente a Veraneio alinhou, a trajetória convergiu novamente, e estava lá eu, à frente da Palio, da Silverado, rodando aos meus 100 e tantos Km/h, com o pé direito colado com o assoalho, permanente e firmemente da mesma forma que o orifício de Hairy Bee também permanecia trancado.

Pouco à frente a estrada se alargava, como estava próximo da cidade retornava aquela pavimentação mais assentada, pista larga e cascalho, com diversos esfria saco. Olhei pelo retrovisor e vi que a Palio havia simplesmente sumido, acho que depois da tensão no entroncamento e os trambolhos a envolvendo por todos os lados o cara desistiu e deixou Big T passar. Varei o primeiro esfria saco na mesma tocada que eu vinha, lá aos meus 100 e tanto, mas percebi que novamente estava prestes a ultrapassar o limiar do uso para o abuso, e pra não deixar as rodas descolarem do chão e a suspensão enxergar o batente, pela primeira vez tirei o pé. Big T, o insano, depois daquela merda toda não podia deixar de impor sua insanidade, manteve o pé firme e passou varado o segundo esfria saco, me deixando ver as 4 rodas da Silverado ganharem altura longe do chão, enquanto ele me acabava de me ultrapassar pelo ar. E o Brandon? Veio lá atrás, modesto, assistindo de longe a presepada toda.

Depois de chegados à cidade, sem conversar foi cada um pro seu canto, se arrumar pra sair à noite. Mas óbvio, o assunto rendeu bastante, naquela noite, nos dias seguintes, e até hoje, a história é lembrada nas rodas de conversas de carro, e principalmente Hairy Bee descreve com exaltação sua experiência de assistir de camarote a peripécia. E a Veraneio mais uma vez surpreendeu, demonstrando seu talento em lidar com o habitat extra urbano, mas deixando claro que precisa de um condutor com a devida intimidade com a situação para não permitir que o animal xucro eventualmente traga algum desgosto para aqueles à sua volta.

Vídeo recente, fazendo o mesmo trajeto narrado na história. Mas a estrada foi bem modificada, o palanque avançado foi mudado e o chão está bem melhor pra dar cacete.

Como se divertir com tração dianteira

24 jan

FWD

Eu estudei a vida toda em escola pública, na época de primário e ginásio eram daquelas escolas de periferia, meio toscas mesmo. E lá não havia atividade que não fosse aula, era aula e recreio, só isso. Portanto hora do recreio não era hora de comer, era de brincar, pega pega, polícia e ladrão, ou o preferido, futebol. Só que diferente das outras coisas futebol precisa de um elemento para jogar, a bola, e em geral a escola não permitia que levasse. Mas aí você acha que aquele bando de moleque retardado de 2ª ou 3ª série vai deixar de jogar bola só porque não tem uma bola? Que nada, a vontade de curtir e a criatividade criam soluções incríveis. Nessa hora qualquer coisa vira bola, um saco cheio de lixo, a mochila daquele colega que todo mundo zoa, ou um dos mais tradicionais, uma embalagem de todinho. Mas cara, pensa, embalagem de todinho não tem nada a ver com uma bola, bola é redonda, todinho é quadrado, mas ainda assim, a molecada se divertia, tirava mó onda, quem olhava de fora nem perceberia a diferença na alegria e curtição quando comparado com uma situação em que houvesse uma bola de verdade. Moral da história, mesmo que não seja o ideal, se você só tem aquilo, passa a ser o melhor que você tem, então esquece que poderia ser diferente e curta daquela forma. Mas veja bem: se aquela molecada está lá curtindo com o todinho e de repente chega alguém com uma bola de verdade, não tenha dúvidas, não interessa se o maluquinho estava lá pra bicar pro gol sem goleiro, vai largar na hora o todinho e partir pra bola! Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa, uma vez que há uma bola qualquer outra coisa vira lixo.

Agora você me pergunta, o que isso tem a ver com carros? Isso pra mim é uma analogia perfeita com carros de tração dianteira! Quem não concorda sinto muito, pode me xingar a vontade, vai falar o que quiser, mas pra mim FWD serve pra levar a mãe na feira, pra dar pra mulher ir no cabelereiro, definitivamente não foi concebido para trazer diversão a quem dirige. E pode ser o que for, mesmo essas banheiras asiáticas cheias dos mognos no painel, eletrônica pra tudo que é canto, cheia das firulas e eventualmente até mais do que meros 4 cilindros bundões, continua sendo um FWD, ou seja, um mero meio de transporte, uma simples condução. Não tem jeito, não tem tesão. O FWD está para o RWD assim como o todinho está para a bola, um é quadrado, outro é redondo, quando o que você precisa é algo que role!

Eu particularmente nunca comprei um carro com tração dianteira, e pra não dizer que não há nenhum FWD em casa, no meio da frota aqui ainda há um remanescente que era da minha mina desde a época de solteira, um Uninho Fire. Mas é lógico que ao longo de toda a minha vida como motorista os FWD sempre estiveram presentes. Meus pais, como pessoas normais, tiveram a maioria dos seus carros FWD, e por muitos anos, mesmo na época que eu já tinha meu próprio RWD caindo aos pedaços, continuava usando os FWD da família porque era o que tinha de viável.

Pois bem, se o que tem é isso, então é o melhor que tem, esquece que eu poderia ter um RWD modelo X, Y ou Z na minha mão naquele momento e vamos tratar de tentar tirar algum prazer da condução daquela titiquinha de plástico com tração dianteira. Só que aí tem uma coisa interessante, por mais que RWD ou AWD sejam muito mais legais, são mundos distintos do FWD, o que significa que há coisas que o FWD faz que os outros não fazem! Aha, aí é que está a sacada! Vamos explorar e tirar uma onda no FWD com aquilo que só dá pra fazer com ele!

Uma das principais diferenças é que, ao contrário do RWD em que as rodas do eixo trativo não esterçam e consequentemente só imprimem tração no sentido longitudinal do carro, no FWD você consegue apontar a tração para a direção que você quer seguir. Ou seja, você usa a tração para te puxar para o centro da curva, o que eventualmente pode te dar mais cornering force. Outra coisa interessante é o uso do freio de mão, como a tração está na dianteira ela não disputa com ele, é possível chamar a alavanca com força e continuar a mesma tocada que você estava na tração, sem briga entre os sistemas. Eventualmente até mesmo o freio normal do carro consegue criar esse efeito, ele freia nas quatro, só que na dianteira o freio disputa com a tração e não consegue travar, na traseira como ele está agindo sozinho então consegue, ou pelo menos ficar na eminência de.

Tá certo que há mais alguns detalhes aí no meio, mas de maneira geral se você soma essas duas coisas consegue um resultado muito parecido com o que vemos nos campeonatos de rally, o cara fazendo a curva de lado e com eficiência. Agora por favor, não vá confundir as coisas! Um tuningueiro de carteirinha já diria “ah, você quer fazer drift”. A resposta é não! Apesar do visual para quem não conhece ser muito parecido entre uma coisa e outra, na prática são objetivos totalmente diferentes. Aquilo que os manos faziam em Tokio no F&F3 é coisa teatral, mera apresentação, aquilo na prática, tirando raras exceções, não serve pra nada a não ser gastar pneu e fazer a curva mais devagar do que faria se as quatro rodas estivesse gruadadas no chão. Tecnicamente falando, aquela escorregada piora, e muito, a capacidade de fazer curva do carro. Já o que os caras fazem em rally é o contrário, o cara quer fazer curva o mais rápido possível, ele está correndo contra o cronômetro. Então você acha que o cara está preocupado se aquela curva vai sair bonita na televisão? Que nada, se subesterço fizesse o carro fazer a curva mais rápido seria isso que ele faria, por mais feio que seja ver o carro escorregando a frente. Mas felizmente, para o deleite dos espectadores, a maneira mais rápida de fazer a curva é daquele jeito, com aquele visual incrível dos carros escorregando com as quatro, sempre a traseira parecendo querer ultrapassar a dianteira e o piloto afundando a bota para não deixar.

Só que também seria um ledo engano achar que nossas tranqueirinhas modernas de plástico FWD vão se comportar como os hatchzinhos do WRC se comportam. Por mais que a estrutura da caranga do mano seja a mesma do carro de passeio, por exemplo, um Fiesta, o resto é totalmente diferente, outro mundo, o carro é calibrado pra andar daquele jeito. Já nossos FWD do dia a dia tem um defeito terrível, só que proposital: são calibrados, eventualmente até mesmo muito piorados na sua capacidade de fazer curva, para que tenham uma característica totalmente subesterçante. Isso por questão única de segurança, pensando que 99% dos condutores serão motoristas comuns, com reações comuns de um ser humano normal. Pense você, está lá numa estradinha meio sinistra, escorregadia, você está lá fazendo uma curva meio fechada, acelerando, e de repente por algum motivo qualquer seu carro escapa a traseira, qual a sua reação? Tem um monte de lontra aí que ainda me mete o pé no freio, aí embuceta tudo de vez. Alguém um pouco mais contido iria aliviar todos os comandos de pé, sem acelerador, sem freio, e se ainda tiver um instinto um pouquinho mais apurado vai tentar uma correção no volante, contra esterçando. Mas a solução ideal ainda não é essa, você quer fazer a traseira voltar pra linha, soca o pé no acelerador. Isso mesmo, pensa uma coisa, se a traseira já jogou, fazendo um pêndulo sobre a dianteira, hora que você tirar o pé do acelerador você está segurando ainda mais a dianteira, enquanto a traseira está solta, você então está provocando ainda mais o pêndulo. Se você acelera, a dianteira vai puxar o carro, se ainda estiver em tempo e seu motor tiver fôlego pra fazer a dianteira ganhar a disputa, a traseira vai voltar. Só que vai falar para uma pessoa comum fazer isso, “olha, se seu carro ameaçar rodar, você acelera o máximo que conseguir, viu!”. É contra os instintos, mesmo quem é treinado, e faz isso de propósito na situação controlada, se pegar uma situação inesperada ainda corre o risco de se atrapalhar nos pedais.

E é por isso então que carros de passeio FWD para meros mortais são extremamente subesterçantes, pra não deixar acontecer em hipótese alguma o carro escapar a traseira, pois se escapar certamente o condutor não a fará voltar. Isso é uma coisa muito mais legal nos RWD, lá é o contrário, se a traseira escapou você tira o pé do acelerador que dá freio motor, é o melhor esquema, segura sem travar, e como a dianteira está solta você cria aquele mesmo efeito de “esticar” o carro, a dianteira ganha da traseira e essa última se alinha de novo. Nesse aspecto você vê que o tração traseira não precisa ser piorado, pelo menos não tanto quando o FWD, não é necessário criar na marra essa característica subesterçante, e o carro oferece uma condução muito mais neutra, muito mais prazeroso de guiar.

Mas voltando à diversão, que é o propósito desse texto, qual a maracutaia no FWD então? Por causa dessa patifaria toda de deixa-lo muito subesterçante pense que você terá bastante trabalho para fazê-lo sair de traseira em uma curva comum, com pavimentação em condições normais. Não é só entrar forte na curva, fazendo isso você só vai ver a dianteira querendo sair pela tangente desobedecendo totalmente seu comando de volante, mas a traseira continuará lá firme e forte bem grudada no chão. Certamente você terá que usar de recursos, aí você tem algumas opções. Uma que eu acho mais interessante é fazer o pêndulo, que aí nem usa freio e possivelmente deixa de perder alguma fração de segundos. A curva é pra esquerda, manda a caranga um teco pra direita, meio na violência mesmo, e imediatamente em seguida na entrada da curva devolve com vontade, mais violência ainda, com aquela gingada a traseira vai descolar. Veja o exemplo nesse primeiro vídeo abaixo.

ATENÇÃO: considerações antes de ver os vídeos:

1- não sou piloto

2- tive muito pouco tempo no ambiente controlado para fazer os vídeos, foi tudo praticamente one shot

3- faz mais de uma década que eu não ando de carro tração dianteira regularmente

Portanto, se você é metido a piloto e achar que “ah, nem saiu muito bom”, “nem está tão eficiente assim”, “dá pra fazer melhor do que isso”, ou coisas do gênero, sim, você tem toda a razão, dá pra fazer melhor, mas foi o que deu.

Outra opção que também é legal, porque envolve movimentos atípicos nos comandos de pé, é entrar na curva freando e acelerando ao mesmo tempo. Com a tração a dianteira não vai escorregar, mas a traseira que está só no freio vai querer começar a travar, aí a hora que entrar na curva e somar a cornering force o pneu não vai aguentar e vai perder atrito, aí a traseira escapa. Mas se você tentar isso no seu carro e não acontecer como esperado, não venha me xingar. Primeiro que nos carros de passeio tradicionais outra coisa bem piorada é o balanço de freio, tira-se muito da capacidade do freio traseiro pelo mesmo motivo, não deixar a traseira travar primeiro que a dianteira e correr o risco de rodar. A outra coisa é que a potência de um sistema de freio é bem maior que a potência do motor, se considerar ainda que a grande maioria dos cacarecos nacionais são 1 ponto nada, pode ser que seu motor não tenha fôlego pra ganhar do freio. Ou seja, pra isso funcionar você tem que ter um motor forte e seu freio traseiro funcionar bem, senão não escapa mesmo! “Ah, quer dizer então que se eu tiver um Astra Hatch, 2.0 com freio a disco na traseira eu consigo fácil?” Mano, não se empolgue! Não adianta ter a ferramenta certa na mão se o peão não tem talento pra usar. Ter o carro certo não é o maior dos seus problemas. “Borra, então qual é?” Partindo do princípio que o objetivo é ser rápido, bater o cronômetro, você já vem desde lá de trás babando na reta acelerando até o último centímetro, pra em seguida, em uma mínima fração de segundo, você trocar aquela força toda do pé direito que estava no acelerador para o freio, porque agora você vai precisar fritá-lo pra chegar à entrada da curva na velocidade correta. Obviamente se aproveitando também do freio motor, passando marcha pra baixo jogando o giro lá em cima, e para isso fazendo o punta-tacco, que é cutucar o acelerador com o cantinho do pé enquanto o mesmo afunda o freio. Não sabe o que é o punta-tacco, ou nunca o fez?

Amigão, isso é o de menos, isso é o básico, aula beginner em relação ao que vem em seguida. Por quê? Porque brother, lembra que na hora que você estiver na curva você terá que frear e acelerar ao mesmo tempo? Então te digo, mesmo que você manje do punta-tacco, não é ele que irá te servir nessa hora. Você vai ter que esquecer a embreagem e usar o pé esquerdo para frear, assim você consegue ir dosando, calibrando com precisão a carga que você aplicará em cada um deles ao longo das variações de reação da caranga ao longo da curva. Tem até quem venha lá de longe na reta já freando com a esquerda, esquece a embreagem, e vem mandando as reduzidas no tempo, eu até acho charmoso fazer isso, mas minha preferência é mesmo vir freando com a direita, no tradicional, reduzindo com auxilio do punta-tacco, e na entrada da curva trocar os pés, o direito deixa o freio e fica só com o acelerador e o esquerdo esquece a embreagem e fica só com o freio. “Putz, xudeu, olha o tamanho do parágrafo que o mano escreve pra explicar e eu ainda não consegui pintar a figura na minha mente de como exatamente funcionaria.” Então bro, faz assim, se você nunca freou com o esquerdo, começa brincando na manha, numa rua vazia, em velocidade reduzida, e preferencialmente sem carona, porque por mais que você acerte o primeiro, o segundo, na hora que passar o mosquito na sua frente você vai esquecer que o esquerdo está no freio e pisar como se fosse a embreagem, se o carona estiver sem cinto corre o risco de ganhar uma consulta com o odontologista protético. Mano, depois que você dá uma dessas que você percebe o quão diferente é a força que você imprime na embreagem em relação ao que faz com o freio no normal do dia a dia.

Mas seguindo adiante, se isso tudo não rolar, não há algo mais prático, mais fácil que possa ser usado pelo menos de início pra tirar uma onda? “In fact, the only way I can enjoy myself and put a smile in my face, is to use a few little tricks, like uhh… like the handbrake… Don’t tell Audi though!” (Tiff Needell, Top Gear – Audi RS4). Yes man, the handbrake, o tal do freio de mão! Cara, sob ponto de vista de eficiência teórica ele pode até se mostrar como um inimigo do cronômetro, mas na prática em algumas situações é a única salvação pra você conseguir apontar o carro pra onde você quer que ele vá, e não pra onde ele quer ir. Uma cutucada simples na entrada da curva é o suficiente, já desprega as rodas traseiras do chão e o carro começa a virar, pronto, você conseguiu o que queria, está agora olhando pra frente e enxergando do barrando do lado de dentro da curva.

Mas e aí, e agora, a traseira se foi, é isso? Mano, agora é que vem a pegada cabulosa! Depois que a traseira sair esteja preparado, você é quem vai ter que segurar. E te digo, considerando toda essa sacanagem dos FWD originais que citei acima, a margem é pequena! Demorou, ou foi muito leve no pé direito, o bicho vai rodar de vez e você vai poder olhar diretamente nos olhos do brother que vinha te seguindo, sem virar a cabeça. É isso mesmo, o carro calibrado desse jeito fica 8 ou 80, dá um trampo docarái pra fazer ele sair, mas depois que saiu o suficiente dá dois trampo docarái segurar ele andando de lado.

Agora a dica, seja lá qual o método acima que você vai usar, se for tentar faça isso em algum lugar controlado, vai lá na fazenda do seu vô cheia de plantação de cana dos lados, se der mierda não xode a caranga, no máximo você vai tombar o suficiente pra fazer uma garapa pra família toda. Mas cara, te digo, depois que você pega a manha, o barato fica divertido! Quando o negócio começa a ficar pró você nem fica mais variando o controle, o golpe inicial é preciso, joga a traseira exatamente lá onde você precisa, a curva você faz inteira de pé no fundo – cara, pé no fundo mesmo, uma delícia fazer curva assim!!! – e você vê o corpo do carro se esparramando por toda a extensão ideal que você queria do trajeto. Do golpe a dianteira aponta pro centro da curva e a traseira vai lá embora, à medida que vai chegando ao meio da curva a frente vai se aproximando do barranco / calçada / cerca, seja lá o que for. Mais lindo ainda se o para-choques dianteiro passar lambendo qualquer um desses, se for calçada então, quem tá de fora vê a frente passando por cima!

Passou o meio da curva, aquela tensão de ver o carro esparramando pra tangente, você sabendo que o barranco de fora está chegando mas continua de olhar fixo onde você quer que o carro vá, a reta da saída da curva, até que chegando perto você sente que já não precisa mais da tração pra puxar o carro pra dentro, começa a alinhar o volante pra aprumar o carro retinho pra reta, e nisso vai voltando aquele equilíbrio e tanto dianteira quando traseira chegam exatamente juntos no lado de fora da curva, a milímetros de tocar o barranco / calçada / cerca ou o que for, só que daí pra frente é só reta, e você já está de pé direito no fundo, motor cheio, carro pregado nas quatro e apontando perfeitamente pra onde você deseja. Cara, que tesão! Quando você finalmente consegue fazer uma dessas sai com aquele sorriso igual do Coringa, de orelha a orelha! Seu brother no banco do carona também, mas pode ter certeza que enquanto você olhava fixo pra sua meta, que é a reta depois da curva, ele estava vendo é o barranco / cerca  / calçada se aproximando de um lado, e depois do outro, e o extremo oposto do sistema do corpo do qual a boca faz parte estava contraído inversamente proporcional ao relax do sorriso que ele dá depois lá na reta.

Aí você começa a falar disso com uns brothers que também são da área, fazer umas brincadeiras, e vem uns entendidos, uns babacas aí desses que dão cursinhos teóricos de pilotagem, que vão dizer que:

“não, imagina, você não pode deixar o carro escorregar, o atrito dinâmico é sempre menor que o atrito estático, bla bla bla, pra você fazer a curva mais rápido tem que estar com as quatro rodas firmes, bla bla bla…”.

Bullshit!!!

Quer dizer que os manos do WRC só fazem aquilo pra sair bonito na TV, depois eles combinam quem vai ganhar? Mano, se escorregar fosse ruim os carros de rally não teriam uma alavanca de freio de mão na altura do ombro do mano! Ari Vatanen não virava filme! Tiff Needell não passaria episódios e episódios xingando os carros originais de “understeering, understeering” e fazendo mutretagem pro bicho despregar a traseira! É útil sim, é necessário, tem horas que você precisa sacrificar uma fração de segundo sua cornering force pra colocar o carro no prumo, apontando ele naquele ângulo em que VOCÊ tem o controle total da situação, e continuar daí usando fundamentalmente o acelerador. Mas lógico, tudo tem seu momento, cada situação tem sua receita. No asfalto você não vê os manos do WRC despregando tanto, só nos U-turn, porque naquela situação é sim mais interessante daquela forma. Mas não pense que isso se resume apenas a uma questão de terra ou asfalto, veja as categorias baixas do turismo que vai ver as porcariazinhas FWD de plástico andando tudo de lado na curva. E mesmo situações em que o usual é fazer pregado, não significa que uma leve escorregadinha não traria algum ganho, mas por outros fatores, por exemplo poupar pneus, acaba se evitando. Edgar de Mello Filho também diria isso, ao varar o Bico de Pato ao contrário no banco do carona do “chefia”.

Enfim, essa é a parada. Você pode até estar jogando com a bola quadrada, cobiçando seu vizinho que tem a bola redonda, mas não se deixe desanimar, seja criativo, seja ousado, aprenda e use o recurso que você tem na mão, te garanto que você será muito feliz. Eu já fui, adorei ter feito isso, mesmo sendo depreciador dos FWD. Como dizem por aí, o que seria do preto se não existisse o branco, não tem como apreciar algo com convicção se você nunca experimentou a outra opção. E minha convicção é essa, carros com tração dianteira definitivamente não foram feitos para dar diversão ao condutor, só não significa que você não possa improvisar. Mas ainda assim, não há substituto, me surja com um RWD ou AWD que eu vou fazer igual ao pirralho bicando o todinho pro gol, largo na hora o FWD e vou correndo pegar os outros!

Filmado com GoPobre®:

AB

CD